O conflito comercial entre Brasil e Estados Unidos ganhou novos capítulos nos últimos dias, com a pressão de pecuaristas americanos pela suspensão total da importação de carne bovina brasileira. A ofensiva, liderada pela National Cattlemen’s Beef Association (NCBA), coloca em xeque não apenas a relação comercial entre os dois países, mas também a credibilidade sanitária da carne brasileira no mercado internacional.
Desde agosto, a carne bovina brasileira paga 76,4% de tarifa para entrar nos EUA, resultado do aumento de 26,4% para 76,4% após a imposição de uma sobretaxa de 50% pelo governo de Donald Trump. Apesar da barreira, a NCBA afirma que o Brasil continua competitivo devido ao menor custo de produção e à desvalorização do real, o que justificaria medidas ainda mais duras, como o embargo total das importações.
Em carta enviada ao Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR), Kent Bacus, diretor da entidade, defendeu que “as tarifas por si só podem não ser suficientes para responsabilizar o Brasil”, pedindo auditorias completas e suspensão até que o país comprove equivalência em segurança alimentar e saúde animal.
O argumento central dos pecuaristas americanos gira em torno de questões sanitárias. A NCBA acusa o Brasil de falhas na notificação de casos de Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE, ou vaca louca) e de atrasos deliberados em relatar ocorrências atípicas da doença, como em 2021 e 2023. Além disso, cita barreiras técnicas impostas pelo Brasil à carne dos EUA, que dificultariam o acesso ao mercado norte-americano.
O Ministério da Agricultura do Brasil, por sua vez, rebateu as acusações e ressaltou que o país nunca registrou casos clássicos de vaca louca, apenas seis casos atípicos — considerados espontâneos e associados à idade dos animais. Desde 2012, o Brasil mantém o status de “risco insignificante” junto à Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), condição que reforça a segurança da carne exportada.
A imposição da nova tarifa já preocupa o setor exportador brasileiro. A Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne) estima que o Brasil pode perder até US$ 1 bilhão em vendas para os EUA. Para Roberto Perosa, presidente da entidade, a sobretaxa torna as exportações “inviáveis” e deve redirecionar volumes para o mercado interno, pressionando preços e margens de produtores.

Além disso, analistas destacam que a medida pode impactar toda a cadeia produtiva da pecuária de corte, exigindo ajustes estratégicos. Entre as alternativas apontadas, estão a redução de custos na cria, prolongamento da recria a pasto e menor uso de confinamento, transformando os animais em “estoque vivo” até que as condições de mercado sejam mais favoráveis.
Apesar das pressões, o embargo à carne brasileira pode trazer consequências também para os próprios Estados Unidos. O país depende das chamadas aparas bovinas magras (lean beef trim), um subproduto pouco produzido internamente, mas essencial para a fabricação de hambúrgueres e carne moída — alimentos que respondem por 50 bilhões de unidades consumidas anualmente pelos americanos. Importadores defendem que sem a carne brasileira, haverá prejuízos para consumidores e indústria alimentícia dos EUA.
O embate entre os dois maiores produtores de carne do mundo ultrapassa barreiras econômicas. A disputa envolve política protecionista, segurança alimentar, diplomacia e pressão de produtores de ambos os lados. Para o Brasil, trata-se de um teste de resiliência e adaptação em meio a um cenário global cada vez mais competitivo e sujeito a medidas unilaterais de governos estrangeiros.