A União Soviética no auge da Guerra Fria representou a maior rivalidade bélica aos Estados Unidos desde a sua independência. Contudo, no campo econômico, jamais chegou perto de representar qualquer ameaça à hegemonia norte-americana. Ao se analisar os dados históricos do século XX no tamanho do PIB e na produtividade, a URSS chegou a ser apenas 40% do PIB americano tendo quase a mesma população. A baixa diversidade industrial e o sistema socialista centralizado, garantia sucesso em setores pesados como aço, petróleo e armamentos, mas encontrava inúmeros desafios em bens de consumo e na agricultura. Apesar desta grande disparidade, era um país autossuficiente em muitos recursos naturais, e o limitado comércio que mantinha com o mundo socialista lhe concedia acesso a alguns itens mais luxuosos faltantes.
Com o colapso da União Soviética, a Rússia herdou grande parte de toda essa infraestrutura industrial e manteve considerável parte do território produtor de commodities energéticas. A abertura do país e a introdução de um sistema de livre mercado tornou a Federação Russa uma nação próspera e fez com que os russos se acostumassem a certos padrões de consumo. Pelas duas primeiras décadas que governou a Rússia, Vladmir Putin criou pontes com os europeus e chineses, visitou os Estados Unidos e integrou o país às cadeias globais de produção, o que concedeu ao seu povo acesso a uma infinidade de produtos e marcas.
A invasão total da Ucrânia em fevereiro de 2022, fez com que, da noite para o dia, todas as pontes construídas ao longo de 20 anos com o Ocidente começassem a ser quebradas. De Bruxelas a Washington DC, de Tóquio a Camberra, empresas e indivíduos russos foram severamente sancionados, tornando a Rússia em 2025 o país mais sancionado do mundo. Atualmente são mais de 5.000 sanções aplicadas contra o país, sobretudo ao seu sistema financeiro, suas maiores empresas e seus principais oligarcas. Apesar de tudo isso, a Guerra da Ucrânia continua de forma voraz e sem um horizonte claro para seu desfecho. Muitas pessoas da sociedade civil e até mesmo analistas de geopolítica têm se perguntado o porquê de as sanções terem sido ineficazes até o presente momento.
A resposta é complexa, mas pode ser compreendida ao se fragmentar a questão em alguns pontos fundamentais. A estrutura econômica russa é autossuficiente em muitos setores, sendo o país um dos maiores produtores de petróleo, gás, trigo, fertilizantes e minérios de todo o mundo. Todos esses itens são de interesse global, o que mantém a procura sempre alta. Se os europeus e norte-americanos preferem não comprar, indianos, chineses e brasileiros recebem ofertas mais baratas de Moscou.
A população russa está em constante declínio, mas, com 145 milhões de habitantes, seu mercado interno ainda é robusto, conseguindo encontrar consumidores para parte da produção não exportada aos europeus. Com mais de 17 milhões de quilômetros quadrados de área e vastos recursos naturais, a dependência de importações essenciais como alimentos e comida é reduzida. O redirecionamento de exportações também garantiu sobrevida à economia russa, destinando suas commodities para a Ásia e América Latina e importando produtos ocidentais por canais paralelos, principalmente através de ex-repúblicas soviéticas como Armênia, Geórgia e Cazaquistão.
A terra de grandes enxadristas como Karpov também possui grandes estrategistas na política. Desde a anexação unilateral da Crimeia por Moscou em 2014, o país já vinha criando reservas cambiais e reduzindo a dívida externa, praticamente neutralizando o poder exercido pelas sanções de 2022 em diante. Apesar de terem abandonado o sistema centralista soviético, a economia ainda sofre forte intervenção estatal, onde controle de preços e subsídios a setores críticos sempre acontecem quando há chances de bruscas alterações. O rublo russo, mesmo com oscilações consideráveis nos últimos quatro anos, é protegido por controle de capitais e por várias exigências de conversão de receita de exportações em moeda local, evitando também um derretimento completo da moeda nacional.
No aspecto político, o Ocidente esperava que a alta inflação e a fuga de empresas estrangeiras do solo russo trouxessem grande insatisfação popular contra o governo, possibilitando até mesmo manifestações e revoltas. Todavia, as sanções são apresentadas, e constantemente reafirmadas, como uma guerra econômica do Ocidente contra os russos, o que internamente reforça o senso de nacionalismo, já exacerbado na Rússia.
O grande erro ocidental foi imaginar que sancionar o maior país do mundo transformaria a Rússia rapidamente no interior da Coreia do Norte ou Venezuela, onde as sanções de fato causaram e causam grandes prejuízos econômicos aos respectivos países. Entretanto, no longo prazo alguns economistas apontam que a mesma vitalidade econômica demonstrada por Moscou até agora, tende a se desgastar.
As sanções tendem, a corroer a inovação e capacidade tecnológica, o que com o tempo pode causar atrasos substanciais para setores estratégicos. Além disso, as reservas acumuladas antes da guerra vão sendo queimadas ano após ano, assim como recursos fundamentais revertidos para os esforços bélicos. Se no curto prazo, Vladmir Putin não se intimida com as sanções pela rápida adaptação de sua econômica com soluções improvisadas, no longo prazo a queda pode ser mais brusca do que seu círculo mais próximo imagina. A corrida do Kremlin agora é contra o relógio, para garantir o melhor acordo territorial com Donald Trump na partilha da Ucrânia, antes que o impacto pleno de milhares de sanções comece a fazer efeito.