A produtora rural Luciane Agazzi foi a última a falar durante audiência pública na comissão de Agricultura e Pecuária da Câmara dos Deputados, nesta terça-feira, 13. Os dois minutos protocolares foram suficientes para resumir a situação de milhares de agricultores gaúchos endividados após três anos de estiagem e das enchentes de maio deste ano. “Como eu vou pagar as minhas contas se a Medida Provisória [12.417, sobre prorrogação de dívidas] me exclui, se o decreto continua me excluindo?”.
Filha de produtores de leite que faliram em 2017, a sojicultora diz que tem cobertura do Proagro na lavoura, mas dos R$ 180 mil de perdas neste ano, o programa deve cobrir apenas R$ 40 mil. Além de reclamar da exclusão dos agricultores que têm seguro rural das medidas de apoio do governo federal, Luciane destacou que os quatro anos de prorrogação de dívidas oferecidos pelo governo não são suficientes. “Quatro anos não salva ninguém”, enfatizou.
O produtor rural de Erechim, Allan Tormen, que também representou o Conseleite (associação que reúne produtores e indústrias de laticínios do RS) destacou que o setor esperava crescer 7,5% em 2024, mas com a tragédia climática, a produção vai cair 2,5%. Ele reforçou a necessidade de mais tempo para os produtores se reerguerem.
“A gente depende de reconstruir propriedades, reinventar sistemas produtos e a cadeia do leite é uma cadeia de longo prazo. Uma novilha precisa de 24 meses para começar a produzir. São 24 meses do produtor colocando dinheiro”, afirmou.
A também produtora rural e uma das organizadoras do Movimento SOS Agro RS, Grazieli Camargo, pontuou que a safra 2024/2025 já está impactada, pois “ninguém comprou semente, adubo, insumos porque todo mundo está negativado”. Segundo ela, agricultores estão mobilizados com tratores às margens das rodovias em cerca de 90 municípios gaúchos.
“O nosso produtor não é caloteiro”, diz secretário de Agricultura do RS
Em Porto Alegre (RS), o secretário de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) do RS participou da audiência por videoconferência. Clair Kuhn defendeu o prazo de 15 anos para renegociação das dívidas e disse que espera que o governo federal “seja sensível” e que além de ser “desnegativado”, o produtor precisa de juros baixos para recomeçar.
O secretário destacou que 418 dos 497 municípios gaúchos estão em calamidade ou estado de emergência e que os agricultores não têm dinheiro para começar a plantar. “O nosso produtor não é caloteiro, ele não está se aproveitando do momento. Ele, de fato, não tem condições de fazer a próxima safra”, afirmou Kuhn.
O presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Gedeão Pereira, disse que as medidas de ajuda para prorrogação de dívidas não ajudam nem os pequenos agricultores.
“Até agora nós não temos praticamente nada. O decreto não serve nem para a pequena propriedade porque os descontos são recursos ínfimos. E as pequenas propriedades do Rio Grande do Sul são muito produtivas e o capital que gira é grande”, destacou.
Segundo Gedeão, a expectativa é de que os parlamentares possam incluir emendas à Medida Provisória 1247. O deputado Alceu Moreira (MDB-RS) também criticou a MP que teve a regulamentação publicada nesta terça.
“A MP é absolutamente insuficiente e o decreto regulamenta o impossível”, disse Moreira, completando que o “Rio Grande do Sul está de joelhos e de castigo” 107 dias após os eventos climáticos que afetaram mais de 200 mil propriedades rurais.
No entendimento do presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), a MP precisa ser revista e isso deve acontecer a partir das emendas feitas ao texto e que ainda precisam de aprovação dentro do Congresso.
“[O decreto] ficou bem aquém do que os produtores gaúchos esperavam. Nos gera um ponto sério de preocupação quanto a isso. Inclusive hoje teve uma audiência pública da bancada gaúcha com os produtores preocupados com a Medida Provisória e com o decreto da regulamentação, que evetivamente não resolveu o problema da dívida daqueles produtores que não tem como se recuperar porque não tem como produzir. Vamos ter que avançar com as emendas para achar soluções”, disse Lupion aos jornalistas após a reunião-almoço da bancada nesta terça, 13.
Ministro diz que não dá para buscar um “mundo perfeito”
O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, acompanhou a audiência pública por videoconferência e disse que o decreto atinge 93% dos casos de endividamento com bancos.
“O que passar desses 93%, nós daremos um tratamento diferenciado. Com toda certeza, não vamos deixar nenhum dos produtores atingidos com mais de 60% a 100% [de perdas] limitado à renegociação ou perdão da dívida até R$ 120 mil”, garantiu Fávaro.
Ele contou que um PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional) “muito simples” para retirar as restrições de negativação dos produtores já foi encaminhado ao Congresso Nacional. E que em breve o governo federal irá publicar mais medidas de apoio às cooperativas e cerealistas. Segundo Fávaro, a única questão mais complexa é a MP das Cooperativas, que já foi prometida, mas ainda não saiu.
O ministro ainda convidou os parlamentares da comissão e um representante de cada entidade para reunião no gabinete logo após a comissão. Nesse encontro, Fávaro falou sobre o acesso ao crédito rural. De acordo com o ministro, dos R$ 15 bilhões disponibilizados no Fundo Garantidor, apenas R$ 500 milhões foram acessados até agora porque os produtores estão negativados. Por isso, “a tarefa do Congresso é votar o PLN”, disse o ministro.
O Agro Estadão confirmou com fontes de que o ministro foi cobrado, principalmente, sobre um prazo maior para renegociação. A equipe da pasta, no entanto, defendeu que não existe dinheiro suficiente para ampliação.
O tom usado por Fávaro, no entanto, foi apaziguador. “Se a gente tentar chegar em um mundo perfeito, nesse momento, não vai chegar. Tem muitas medidas para serem tomadas e nós estamos conscientes de que precisa ter outras medidas”, disse Fávaro.
A expectativa é de que essas outras Medidas Provisórias – incluindo a MP para as cooperativas – sejam anunciadas entre esta terça e quarta. Além de um decreto que irá criar a comissão para analisar os casos de perdas de agricultores.
CMN aprova prorrogação do vencimento de dívidas rurais
Também nesta terça, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu pela prorrogação do vencimento das dívidas rurais dos produtores gaúchos. Com isso, as instituições financeiras ficam autorizadas a ampliar a data de pagamento até o dia 16 de setembro.
A medida vale para parcelas de empréstimos tomados para custeio, investimento e industrialização e que tenham data de vencimento entre 1 de maio a 15 de setembro deste ano. Outro ponto é que os produtores beneficiados precisam estar com dívidas rurais quitadas até o dia 30 de abril de 2024. Além disso, o empreendimento precisa estar localizado em um dos municípios do Rio Grande do Sul que decretou calamidade pública ou situação de emergência.
De acordo com apuração da reportagem, o CMN também deve aprovar mais duas prorrogações de dívidas, uma para 16 de outubro e a outra para 16 de novembro. O entendimento era de que isso seria automático, mas o comunicado desta terça não trata sobre o temática.