O Partido dos Trabalhadores (PT) está tentando reabilitar figuras emblemáticas da legenda marcadas por envolvimento em escândalos nos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff entre 2003 e 2016. O esforço faz parte da estratégia de reescrever a história da sigla, forçando uma reinterpretação do Mensalão, do Petrolão, da Lava Jato e do impeachment de Dilma como grandes conspirações contra o partido.
A iniciativa abrange a reabilitação biográfica de personalidades como os ex-ministros Guido Mantega e José Dirceu e os ex-deputados José Genoino e João Paulo Cunha. Os três últimos já foram condenados por corrupção em algum momento, enquanto Mantega ficou durante anos impedido de assumir qualquer cargo público por causa do processo das pedaladas fiscais.
Dirceu, que chegou a ser preso quatro vezes por diferentes escândalos e condenado a mais de 30 anos de prisão no âmbito da Lava Jato, deu longa entrevista à CNN na semana passada e, segundo O Estado de S. Paulo, teve encontros recentes com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Para trazer Dirceu de volta à vida política do país, o PT poderá contar com a colaboração do Supremo Tribunal Federal (STF), que tende a anular suas condenações, com base na alegação de parcialidade do ex-juiz Sergio Moro. Segundo a coluna Radar da revista Veja, Dirceu tem sinalizado a amigos que está otimista com sua possível reabilitação judicial e política.
Matéria da Gazeta do Povo mostrou que Dirceu responde a processos em liberdade devido a decisões de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), após ter sido preso quatro vezes por corrupção, entre 2013 e 2019. Ele até se sente até confortável em dizer publicamente que o Mensalão “nunca existiu”. A pena por corrupção ativa que recebeu por conta desse escândalo foi extinta. Ele foi recentemente absolvido em uma condenação na Lava Jato e ainda tem outra. Pela operação, ele chegou a ser condenado a penas de até 39 anos por formação de quadrilha, falsidade ideológica, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, recebimento de vantagem indevida, entre outros crimes.
No caso de Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda, o PT e o presidente Lula fizeram pressão em janeiro para colocá-lo no comando da Vale, segunda maior empresa do país. Os petistas recuaram há alguns dias após uma reação negativa do mercado.
João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, que chegou a ser preso no escândalo do Mensalão, foi contratado em setembro de 2023 como advogado pela J&F, segundo o jornal O Globo.
José Genoino, condenado no escândalo do Mensalão, tinha se afastado do cenário político, mas retornou como militante ativo em 2023 – por enquanto, sem buscar cargo. Além de participar de reuniões com lideranças petistas, ele tem dado entrevistas frequentes a meios de comunicação de extrema-esquerda e aos sites da Fundação Perseu Abramo e do PT. Em uma delas, em janeiro, fez uma manifestação sugerindo boicote a empresários judeus que suscitou acusações de antissemitismo contra ele.
Resgate de figurões mostra dificuldade de renovação do PT
A polêmica com Genoino mostra que a tentativa de reescritura da história pode esbarrar nos próprios defeitos das figuras que o PT tenta reabilitar. Para o cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec-BH e da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a estratégia de reconduzir esses personagens ao centro da vida política pode acabar sendo um tiro no pé.
“Eles acham que pode surtir algum efeito dentro da bolha petista, mas dificilmente isso acontece. A efetividade dessa estratégia do PT é muito frágil”, diz.
Para Cerqueira, as redes sociais enfraqueceram a capacidade do PT de manipular a opinião pública, mas as narrativas da legenda ainda encontram respaldo em ambientes como a imprensa e as universidades. Ele diz que o partido está “estacionado nos mecanismos mais tradicionais da opinião pública”, já que as redes sociais tendem a desmascará-lo.
“O PT, por ser um partido marxista, um partido de esquerda, segue muitas vezes, aparentemente, aquele método stalinista de reescrever a história, de fraudar as narrativas sobre a história”, afirma. “Só que a política, hoje, foi capturada pelas redes sociais, e isso está enfraquecendo bastante a capacidade do PT de vender a sua narrativa. Mas as redes sociais, até o momento, são pouco administráveis nesse sentido, e só com medidas não democráticas, autoritárias, é que se consegue conter o seu impacto”, comenta.
Cerqueira considera que a tentativa do PT de resgatar figuras como Dirceu, Genoino e Mantega também escancara a baixa renovação no partido. “São figuras antigas. O PT está perdendo a capacidade de se renovar politicamente junto ao eleitorado. E um dos sintomas dessa dificuldade de renovação é ficar tentando resgatar politicamente figuras que ficaram no passado por conta de más gestões e de denúncias de corrupção.”
Além de tentar reabilitar politicamente a sua velha guarda, o PT também tem usado a experiência deles para formar seus futuros representantes. Em 2023, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao partido, chamou Genoino, Dirceu e Mantega para ministrar aulas de diferentes cursos.