Quando a proteção animal vira moeda de troca política

As brechas inseridas no PL 347/03 revelam como pressões econômicas podem enfraquecer a proteção animal e distorcer o objetivo original da legislação.

O PL 347/03 traz um contraste difícil de ignorar. De um lado, o texto avança ao aumentar penas para o tráfico de animais silvestres — um crime de alto impacto ambiental, com números expressivos e pouca punição ao longo das últimas décadas. De outro, o projeto abre uma brecha que pode, na prática, reduzir a proteção jurídica para animais usados na pecuária.

Essa contradição não é acidental: reflete a disputa de interesses dentro do Congresso. Enquanto organizações e juristas defendem a modernização das garantias estabelecidas na Lei de Crimes Ambientais, parte da bancada ruralista trabalha para ampliar o espaço de práticas consideradas regulamentadas, mesmo quando envolvem sofrimento animal. É justamente aí que os dois pesos aparecem. Para os silvestres, a lei endurece.

Para os animais de produção, flexibiliza. Ao isentar práticas agropecuárias regulamentadas de serem enquadradas como maus-tratos, o projeto cria uma exceção que pode enfraquecer o alcance do artigo 32 — um dos pilares da proteção animal no país. As consequências dessa mudança não são meramente jurídicas. Em um mercado global cada vez mais atento ao bem-estar animal, flexibilizar regras internas pode comprometer a credibilidade do país, afetar exportações e desacelerar a adoção de práticas produtivas mais modernas. Na outra ponta, manter penas mais duras para o tráfico é um passo necessário, mas insuficiente se o restante da legislação abre portas para interpretações que reduzam a proteção de outros grupos de animais.

O debate, portanto, não é só sobre fauna. É sobre coerência. Não faz sentido avançar em uma ponta e retroceder na outra. O Brasil precisa de uma política que trate a proteção animal como um todo, sem diferenciações baseadas em interesses econômicos ou pressões setoriais. O Senado terá agora a tarefa de equilibrar essa balança. Enquanto isso, a pergunta permanece: uma lei pode realmente fortalecer a proteção animal se, ao mesmo tempo, cria mecanismos que facilitam exceções? A resposta depende de como o texto será ajustado daqui para frente — e de quanto o país está disposto a colocar critérios técnicos acima de pressões políticas.

O que diz a FPA

Questionada sobre a emenda, a Frente Parlamentar da Agropecuária argumenta que alteração tem como “finalidade técnica garantir segurança jurídica às práticas agropecuárias que já são regulamentadas por autoridades competentes”, como o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e os conselhos de medicina veterinária e zootecnia.

“São práticas reconhecidas e fiscalizadas como vacinação, contenção, transporte e inseminação, que seguem protocolos científicos rigorosos e preservam o bem-estar dos animais. Sugerir que essas práticas possam ser equiparadas a maus-tratos é desconsiderar décadas de evolução técnica e normativa da produção pecuária no Brasil. É dizer, ainda que de forma indireta, que os órgãos reguladores e os técnicos responsáveis pela formulação dessas normas seriam coniventes com a crueldade, o que não corresponde à realidade”, afirmou a FPA à reportagem.

Mesmo com a diversificação industrial e tecnológica, o agronegócio permanece como um dos pilares mais sólidos da atividade econômica nacional. De acordo com dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o Valor Bruto da Produção (VBP) do setor deve alcançar R$ 1,48 trilhão em 2025, representando um crescimento de 11,6% em relação ao ano anterior.

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