O diretor de gestão de risco agropecuário do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Jonatas Pulquerio, disse, em conversa com o portal de notícias financeiras, Money Times, que o agro do Brasil vive um problema estrutural, com uma crise desencadeada pela queda dos preços das commodities e quebras de safra por problemas climáticos. O setor acendeu um alerta após o pedido de recuperação judicial da AgroGalaxy, Portal Agro e de rumores sobre a Lavor
Em conversa com o portal de notícias o diretor ainda disse que tem conversado com muitos executivos do setor e que há chance para novos pedidos de recuperação judicial dentro do setor ainda em 2024, até mesmo para empresas listadas na Bolsa.
Pulquerio reforça que o grande problema é a falta de liquidez com o vencimento de dívidas de curto prazo. “É difícil prevermos outros casos (de RJ’s de empresas do agro listadas). Mas a realidade que me passaram na conversa com a Aqua Capital é de que o produtor está com problemas. E se esse cenário existe, vamos ver outros pedidos de recuperação judicial”.
Onda de recuperações judiciais no agro
Na semana passada, a varejista de insumos agrícolas e serviços AgroGalaxy protocolou um pedido de recuperação judicial, dando sequência a uma onda de pedidos que tem sido vista no país num cenário de preços de commodities em queda e ocorrência de eventos climáticos extremos, como inundações e secas sem precedentes.
Cresce número de pedidos de recuperação judicial no agronegócio. No primeiro trimestre de 2024, o cenário do agronegócio brasileiro apresentou um aumento significativo no número de pedidos de recuperação judicial feitos por produtores rurais que atuam como pessoa física, um crescimento superior a 80%, conforme apontou Serasa Experian. Tendência essa que, segundo analistas, acendia alguns alertas no caso do agronegócio brasileiro.
Segundo dados da provedora de dados de crédito Serasa Experian, foram registrados 106 pedidos de recuperação judicial entre os produtores rurais que atuam como pessoas físicas, o que representa um crescimento de 83,9% em comparação ao mesmo período de 2023. Esse aumento acendeu um alerta no setor, apesar de especialistas indicarem que não há uma crise iminente.
Por conta desse movimento o Banco do Brasil, segundo maior banco do país em ativos totais, iniciou em junho uma campanha para evitar pedidos de recuperação judicial, disse um executivo sênior na quarta-feira, sob a leitura de que o processo, que ganhou impulso recente, é danoso para o setor.
“O processo de recuperação judicial pra produtores rurais não é saudável”, disse o vice-presidente de controles internos e gestão de riscos do BB, Felipe Prince.
“Ele coloca em risco o patrimônio dos produtores, que são as terras, e ele fecha para eles a possibilidade de novas concessões de crédito. E o agronegócio é cíclico, você precisa de recursos para iniciar uma safra.”
Plano Safra defasado
Para o diretor do Mapa, o Plano Safra, que completa 30 anos em 2026, e que foi concebido em um cenário onde o produtor rural buscava crédito apenas em bancos, precisa ser repensado. Segundo ele, o programa foi estruturado para o sistema bancário, e hoje, pela a evolução do setor, os bancos deixaram de ter exclusividade no financiamento ao setor.
“Atualmente, os produtores buscam crédito no mercado de capitais, e o pequeno agricultor, em especial, nas revendas. Com isso, as revendas, que estão fora do sistema, atuam como se fossem um banco, liberando crédito através de insumos. O Plano Safra está desconectado da realidade, precisamos repensá-lo com outra ótica”, discorre.
O diretor diz que o Plano Safra deveria ter levado em conta o mercado de capitais há tempos, e que a política agrícola do Ministério da Agricultura precisa de uma oxigenação de perfil e gestores.
“O Plano Safra está do mesmo jeito há quase 30 anos, atendendo apenas o sistema bancário, que lucra muito com as operações. O Banco do Brasil (BBAS3) é um exemplo claro, ele só vive do Plano Safra”.
Clima extremo pode elevar preço dos produtos
Secas, chuvas torrenciais e incêndios da Ásia às Américas geram preocupações com safras no mundo todo e já pressionam os preços das commodities agrícolas, o que pode acabar repercutindo no bolso do consumidor. O Bloomberg Agriculture Spot Index — que acompanha as cotações de nove dos principais produtos agrícolas — caminha para um ganho mensal de cerca de 7%, o maior desde que a invasão russa da Ucrânia fez os preços dispararem no início de 2022.
Embora ainda esteja longe do pico daquele ano, a alta ocorre em meio a impactos climáticos do Brasil ao Vietnã e Austrália, com perdas para a produção de açúcar, grãos e café.
Enquanto isso, os futuros de soja caminham para a maior alta mensal em dois anos, enquanto o Brasil enfrenta sua pior seca em décadas. As condições áridas — que restringiram o ritmo do plantio — devem persistir em algumas áreas, segundo a Maxar. E os incêndios nas plantações de cana do país elevaram os futuros de açúcar em quase 17% este mês.
O café arábica atingiu a cotação mais alta desde 2011 com o mau tempo no país, que afeta as árvores durante o período crucial de floração. A variedade robusta, geralmente mais barata, também foi atingida pelo mau tempo, e se tornou quase tão cara.
A seca em grande parte do norte e centro-oeste do Brasil provavelmente continuará a ameaçar as safras, segundo analistas do JPMorgan. Além disso, o mercado está de olho nas tensões no Oriente Médio e no Mar Negro, e em como o resultado da eleição nos EUA deve impactar as relações comerciais com a China, de acordo com especialistas.
Em sua última projeção da safra 2023/24 a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indica uma redução de 21,4 milhões de toneladas em relação ao volume obtido no ciclo anterior. Mato Grosso, o maior produtor nacional de grãos e fibra, contabiliza perdas de 7,7 milhões de toneladas, o que, em percentual, revela retração entre safras de 7,7%.
A diminuição, segundo a companhia, se deve, sobretudo, à demora na regularização de chuvas no início da janela de plantio, aliada às baixas precipitações durante parte do ciclo das lavouras nos estados do Centro-Oeste, além de Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia, São Paulo e Paraná.
Queimadas: o agro é o setor mais prejudicado do Brasil
Os incêndios devastaram pelo menos 2,8 milhões de hectares de terras produtivas, causando perdas estimadas em R$ 14,7 bilhões para o setor agropecuário, segundo levantamento realizado pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O impacto atinge diferentes culturas, como a pecuária, cana-de-açúcar e outras plantações, além de prejuízos com cercas.
Enquanto produtores brasileiros lideram o uso de técnicas de agricultura de baixo carbono, combatendo as mudanças climáticas com metas de redução de emissões, os incêndios criminosos prejudicam esses esforços. Assim como toda a sociedade e o meio ambiente, os produtores também são vítimas dessas práticas criminosas.