Após a retirada de urgência do projeto de lei complementar (PLP) 68/2024 ocorreram, na última semana na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, as audiências públicas para debater a proposta. Serão 11 encontros até meados de novembro fora as 21 outras audiências já realizadas pelo grupo de trabalho da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). A expectativa do presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é de que a proposta, que tem 1545 emendas sugeridas, seja apreciada até o dia 04 de dezembro.
O PLP 68 regulamenta a Reforma Tributária, mais especificamente determina parâmetros como em quais produtos será incidido o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Mesmo com os avanços conquistados na Câmara dos Deputados, o setor agropecuário ainda vê alguns pontos de atenção e teme por retrocessos nas conquistas. O Agro Estadão separou os principais pontos que foram debatidos nas audiências públicas da última semana no Senado e que foram apresentados por entidades do setor.
- Crédito presumido
A bandeira levantada por diferentes associações é de uma possibilidade de troca cruzada dos créditos presumidos. O texto prevê que as empresas possam utilizar o crédito presumido acumulado ao decorrer da cadeia produtiva para abater o CBS. Caso o produto final não tenha incidência de CBS, a empresa poderá pedir o ressarcimento desse crédito. Mas o que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o Instituto Pensar Agro (IPA) e a Associação Brasileira de Laticínios (Viva Lácteos) entendem é que esse crédito também deveria servir para abater outros impostos como o INSS.
“O que as empresas do agro estão pedindo é ao invés de você me restituir o crédito de CBS, deixa eu compensar com outro tributo que eu devo para a receita também”, afirmou o consultor jurídico do IPA, Eduardo Lourenço.
Além disso, outro ponto é a previsão de que esse crédito seja revisado anualmente. Segundo o diretor-executivo da Viva Lácteos, Gustavo Beduschi, a medida traz imprevisibilidade para as empresas.
“O ponto é que esse crédito será determinado anualmente. Isso deixa uma insegurança para a indústria nos seus planejamentos. Nenhuma indústria faz planejamento somente para um ano à frente. A nossa preocupação é com a previsibilidade”, apontou o diretor, que também indicou que uma solução está sendo articulada com o governo, em que a base de cálculo seguiria uma média móvel dos últimos cinco anos e não anual.
- Produtos in natura
Há também o pleito de um ajuste na redação do texto envolvendo produtos in natura. De acordo com o coordenador do Núcleo Econômico da CNA, Renato Conchon, do jeito que está no PLP, um vegetal ou uma fruta que estiver embalada poderá ter uma alíquota diferente de zero.
“Imagine só: um produtor rural que vende uma caixa de quiabo. Ele coloca numa embalagem simples para vender ao consumidor, ele perderia a capacidade e aquilo não é mais um produto in natura. A gente propõe um ajuste redacional de que o transporte, o armazenamento e a venda até o condicionamento seja caracterizado ainda como produto in natura. Não é fazer uma preparação alimentícia”, ilustrou Conchon.
- Cesta básica
No caso da cesta básica, há um receio por parte da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) de que as carnes sejam retiradas. Na Câmara dos Deputados, o texto aprovado incorporou esses produtos. O Ministério da Fazenda inclusive divulgou um estudo em que estipula um aumento da alíquota padrão em 0,56% devido à inclusão das carnes na cesta básica, que tem os itens isentos.
O argumento apresentado pelo representante da Abiec na discussão, Luiz Cláudio Carvalho, é de que o retorno das carnes à lista dos produtos que têm alíquota reduzida em 60% traria uma alta no preço desses alimentos, já que sofreria uma incidência de aproximadamente 10% da alíquota padrão. Além disso, o programa de cashback que recompensaria a população mais vulnerável com o retorno desses 10% não seria abarcada completamente, pois o cashback seria apenas para os assistidos pelo Bolsa Família.
“Vocês imaginem alguém que ganhe R$ 2 mil por mês e que será considerado rico aos olhos da Reforma Tributária, porque pagará 10,6% de alíquota sobre a carne e não receberá de volta por cashback. Nós estamos falando de uma população que já é alcançada por política pública versus uma outra população que é tão pobre quanto mas que não está alcançada pela política pública do Bolsa Família e também não será alcançada pelo cashback na carne”, ponderou Carvalho.
Outro pleito do setor é a inclusão de mais itens. A CNA pede que outros óleos vegetais além do óleo de soja, castanhas, fungos e sucos não adoçados e livres de conservantes sejam incluídos na lista da cesta básica.
- Insumos agropecuários
Os insumos agropecuários também têm previstos uma redução em 60% da alíquota padrão de IBS e CBS. No entanto, para ter esse benefício é preciso que o insumo em questão conste em uma lista.
Na visão do setor, é preciso haver duas mudanças: uma em que novos itens possam ser incluídos na lista e a outra para que a matéria prima dos insumos também seja isenta.
“O que nós estamos sugerindo é: primeiro que se dê a competência ao Ministério da Agricultura junto com a Receita Federal e comitê gestor dizerem também quais são os novos insumos agropecuários. O que a gente quer dizer com isso? Facilitar a inovação tecnológica. E um ponto muito relevante que ficou de fora, que hoje tem desoneração, é a matéria prima do insumo agropecuário. […] Se ficar como está no anexo 9 do PLP 68, a indústria vai ter que importar [a matéria prima] com alíquota cheia, acumular crédito, ter uma perda enorme de fluxo de caixa, para depois industrializar e revender com alíquota reduzida. Qual o problema disso? A indústria de insumos assim como as revendas são uma das principais fontes de financiamento da produção rural no próprio Plano Safra. Elas revendem e vão receber daqui a um ano”, explicou o consultor jurídico do IPA, Eduardo Lourenço.
Ultraprocessados
O entendimento da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) é de que todos os produtos alimentícios deveriam estar na cesta básica ou na lista de itens com carga tributária reduzida. A defesa da entidade é com relação aos chamados ultraprocessados.
O presidente executivo da Abia, João Batista Ferreira Dornellas, ressaltou que o termo não é o ideal para se tratar dos alimentos que saem das indústrias e criticou sugestões para colocar esses produtos com incidência do Imposto Seletivo — o chamado imposto do pecado. Além disso, ele afirmou que produtos como pão de forma, salsicha, linguiças subirão de preço já que não contarão com nenhum tipo de desconto na alíquota.
“A gente sabe que existem alguns grupos que ainda fazem muita pressão com os parlamentares pedindo para que alguns alimentos fiquem mais caros, ou seja, que o consumidor pague mais caro pelos alimentos que são chamados de ultrapassados. A indústria de alimentos faz o processamento de alimentos que é baseado em ciência e tecnologia”, defendeu Dornellas.