Relator defende reforma do Código Civil em temas de família e propriedade

O jurista Flávio Tartuce, relator-geral do anteprojeto de reforma do Código Civil, defende o trabalho da Comissão. Ao lado da também jurista Rosa Maria Nery, coube a Tartuce revisar o trabalho realizado por diversas subcomissões, cada uma dedicada a consolidar as mudanças propostas. A comissão se reuniu por pouco mais de seis meses, a partir de setembro do ano passado, por iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Nesta entrevista à Gazeta do Povo, Tartuce, que é coordenador e professor de direito civil do programa de mestrado da Escola Paulista de Direito, explica as propostas do anteprojeto para o casamento e sua dissolução em divórcio, o direito de herança e de propriedade.

Abaixo, os principais pontos da entrevista, vários entremeados, entre colchetes e em itálico, por explicações ou reproduções literais de novas regras propostas.

Por que atualizar de forma tão extensa após pouco mais de 20 anos da edição do atual Código Civil, de 2002?

Primeiro, não é um novo Código Civil. Nós mantivemos os princípios do ‘Código Reale’ [referência ao jurista Miguel Reale, que supervisionou a comissão que elaborou da lei de 2002]: socialidade [segundo o qual direitos coletivos prevalecem sobre os individuais], eticidade [que valoriza a ética e a boa-fé nos negócios jurídicos] e a operabilidade [que busca simplificar conceitos e dar efetividade aos direitos inscritos no código].

Cito dois artigos que o próprio Miguel Reale destacava como essenciais e que não mexemos: o 113 [‘os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração’] e o 187, sobre abuso de direito [‘comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes’].

Essencialmente, muitos artigos foram alterados para ajuste redacional. Tivemos o trabalho de um professor de português e o texto inteiro passou por uma revisão. Existem artigos na parte de direito das coisas que não houve alteração de conteúdo, só ajustes redacionais, e artigos só atualizados com a nova legislação. Então, a reforma chega a 40%.

Mas por que fazer uma nova reforma? O Código Civil de 2002não tem 20 anos, porque o projeto original é de antes da década de 70. Ele jánasceu velho em muitos aspectos. Tanto que ele foi já alterado em 2003, epraticamente em todo ano depois surgiu uma norma alterando. Além disso, ele jáestá desatualizado em razão de novas tecnologias.

Um exemplo é o e-notoriado, que permite fazer escriturapública por meio digital, surgiu por provimento do Conselho Nacional de Justiça(CNJ), durante o estado de emergência da pandemia, e a gente precisa darlegalidade a isso dentro do Código Civil, e não em lei ordinária. Então, essareforma é essencial para colocar o país na realidade digital.

Um dos temas importantes para nós foi a extrajudicialização,que é desafogar o Judiciário e levar as medidas que podem ser levadas parameios extrajudiciais, sobretudo para os cartórios, dando várias atribuições aosde registro civil, por exemplo.

Há uma crítica de que outros países não mudaram. Mas o Brasil não tem que acompanhar esses outros países. A comissão pensa que o país tem que ser protagonista nesses temas. ‘Ah, o Brasil vai ter o primeiro código a tratar de direito digital’… Que seja! A gente precisa seguir sempre os países da Europa? A gente tem que ser exemplo para os outros também.

De quem partiu a ideia de reformar o código?

Das jornadas de direito civil, que acontecem desde 2002 [organizadas pelo Conselho da Justiça Federal e Superior Tribunal de Justiça, e que reúnem juízes, advogados e estudiosos do tema], e que vêm mostrando os problemas do código, antes mesmo de sua aprovação, em mais de 600 enunciados doutrinários. E hoje a gente trabalha com uma confusão na aplicação das regras envolvendo o Código Civil, com mudanças na jurisprudência, precedentes qualificados dos tribunais, enunciados da jornada…

Então, para trazer segurança jurídica e estabilidade houveessa iniciativa do ministro Luís Felipe Salomão, do STJ, para fazer uma reformajunto com outros ministros do tribunal, com iniciativa de parte considerável dadoutrina, e a vontade política do senador e presidente do Senado, RodrigoPacheco, que fez recentes leis privadas no Brasil importantíssimas, como a leida SAF [Sociedade Anônima do Futebol], bem como atuou na lei daliberdade econômica, que nos orientou muito com suas premissas, colocadas notexto.

E se você pegar os 15 livros mais importantes de direitocivil do país, mais usados nas faculdades e mais citados pela jurisprudência,grande parte de seus autores estão na comissão e outros indiretamente, uma vezque a doutrina deles fez parte das propostas. Mas muitas críticas são depessoas ressentidas que não fizeram parte ou não quiseram participar.

E a gente não trouxe nada de novo, só estamos colocando aquilo que é majoritário na doutrina e na jurisprudência, sobretudo no STJ, para trazer uma estabilidade e segurança. É uma reforma bem pé no chão, mais conservadora que progressista, na minha visão. Tenho visto muita leitura equivocada de gente que não conhece o texto. Falar que é um novo Código Civil é uma leitura de quem não leu tudo.

Em relação a ideias progressistas, muitos críticosenxergaram esse viés na parte do direito de família, embora isso já estejapresente, em alguma medida, na jurisprudência dos tribunais superiores. Como osr. avalia as mudanças propostas nesse campo?

Há quem diga que o texto trata de família poliafetiva, mas não tem nada disso. O Supremo disse que não pode e o STJ também. Estão interpretando, muitas vezes por falta de preparo técnico. A gente só reconhece, nas chamadas relações horizontais, duas entidades: casamento e união estável. A gente reconhece família pluriparental, que são irmãos idosos, que vão residir juntos, formando comunidade; família monoparental, pai ou mãe solteira solo, com os filhos.

Na minha opinião, o livro mais conservador de todos é o dodireito de família.

Algumas mudanças propostas, como o divórcio unilateral emcartório, não expressam uma visão de família mais fluida, fragilizando essevínculo no âmbito jurídico? Essa mudança, aliás, já havia sido proposta emprojeto de lei do senador Rodrigo Pacheco, pelo qual bastaria que a pessoacasada manifestasse no cartório a vontade de se divorciar e isso seria feito,mesmo contra a vontade do outro cônjuge. Será assim?

Isso poderá ser feito no cartório de registro civil depessoas naturais [onde se registram nascimentos, casamentos e óbitos], querecebe uma atribuição nova. Tem gente falando de ‘divórcio surpresa’, que apessoa vai viajar e descobriu que está divorciada. Não tem nada disso. Foialterado o projeto inicial do senador Pacheco, que eu inclusive haviacolaborado, e existe um procedimento, com citação da parte contrária para elase manifestar lá no cartório antes do divórcio. Se ela não for encontrada, há umacitação por edital e pela internet.

A partilha de bens e alimentos não é prejudicada. E hoje jáexiste divórcio unilateral no Judiciário, há casos recentes até durante oplantão judiciário no Natal, e que nem citação houve. O juiz viu os requisitose decreta. Pelo texto, o cônjuge ou convivente poderão requerer unilateralmenteno cartório onde foi feito o casamento, o pedido deve ser subscrito poradvogado ou defensor e a notificação será dispensada se a outra parte estiverpresente ou tiver concordado por outro meio. E aí tem mais cinco dias paraaverbar a dissolução.

Pode alterar o nome, o que já pode ser feito no momento em que você quiser, pela Lei do Serp (Sistema Eletrônico dos Registros Públicos, editada em 2022).

E se outra parte contrária for notificada e se manifestarcontra, como fica? Vai para a Justiça?

Esse tema pende de uma regulamentação depois pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). E talvez se o Congresso quiser, pode colocar isso na lei. Mas pela interpretação da lei, se a parte se insurgir, pode ir para o Judiciário. O registrador vai dizer que ainda não tem o procedimento regulamentado e aí vale o código anterior, pois não cabe divórcio extrajudicial em cartório. Só caberia em cartório por escritura pública se houver consenso.

Eu acho que não precariza o vínculo. Com a EmendaConstitucional 66 [aprovada em 2010 e que eliminou a necessidade de préviaseparação judicial por mais de um ano ou separação de fato por mais de doisanos], o que prevalece hoje é que o divórcio é um direito da parte.

Eu, até pessoalmente, tenho minhas resistência em relação aisso. Cheguei a pensar, na votação, que talvez seja o caso de colocar previsõese hipóteses em que cabe divórcio unilateral, por exemplo, em caso de violênciadoméstica e desaparecimento do outro cônjuge. So que respeitei a posiçãomajoritária da comissão e da outra relatora, a professora Rosa Maria Nery. OCongresso pode incluir essas previsões e colocar que se não houver consenso,remete para a via judicial. É preciso entender o papel da comissão, que étécnico, não político.

Colocamos na lei o que nos parece majoritário na doutrina ejurisprudência. Na comissão de juristas o texto que prevaleceu foi esse, masexistem outros textos e talvez a gente precise de aprimoramento. Isso cabe aoCongresso.

Numa entrevista recente, falei que relações são fluidas, masme referia à fluidez na constituição, não na dissolução do casamento ou daunião estável. Pela lei do Serp, que é o sistema de cartório pela internet, oprocedimento pré-nupcial poderá ser feito todo pela internet e somente acelebração no cartório.

Por outro lado, simplificar demais, inclusive pelainternet, não pode favorecer fraudes, golpe do baú, em casamentos e uniõesestáveis?

Fraude é exceção. Há uma regra milenar, de Cícero, jurisconsulto romano, e de outros, de que boa-fé se presume e má-fé se prova. A gente não pode restringir a liberdade das pessoas por uma presunção geral de má-fé. O sistema civiliza brasileiro tem tantos mecanismos para anular negócios jurídicos feitos mediante simulação, fraude, golpe do baú.

Em relação a casamentos de pessoas com mais de 70 anos,objeto de recente decisão do STF, como ficou o texto proposto? [Emfevereiro, o STF decidiu manter o regime obrigatório de separação de bensnesses casos, mas permitiu alteração por meio de escritura pública firmada emcartório; pessoas acima dessa idade já casadas podem alterar o regime comautorização judicial e em união estável por manifestação em escritura pública –nesses casos, a comunhão será para os bens adquiridos posteriormente]

Sempre se entendeu na doutrina e no próprio STJ que não erapossível fazer escritura pública para alterar o regime porque a norma écogente, impositiva. Mas o STF entendeu que ela pode ser afastada. Havia muitodissenso nisso na comissão, mas a posição majoritária foi de acabar com aobrigatoriedade da separação obrigatória de bens nesses casos. Então, nomomento em que a pessoa idosa, maior de 70, for casar, pode escolher comunhãototal de bens tranquilamente, lembrando que essa é uma exceção, uma vez que 90%das pessoas se casam com a comunhão parcial [em caso de divórcio, só os bensadquiridos na relação são divididos].

E nos casos de fraude você pode alegar nulidade na Justiçapor violação da boa-fé, por violação da vontade, ou porque não era uma vontadeplena. Mas isso é uma exceção, acontece nas classes mais ricas. Eu não possorestringir a liberdade de toda a população por um problema de fraude que éexceção e que atinge geralmente as classes mais ricas. Foi isso que a comissãoconcordou e se o Congresso achar que tem que manter a separação obrigatória ouchancelar a decisão do Supremo, com a qual não concordamos, que debata essaquestão.

Outro ponto que chamou a atenção foi a‘multiparentalidade’, ou paternidade socioafetiva. Me explicaria o que é isso ecomo ficou no anteprojeto? A pessoa poder registrar dois pais, um biológico eoutro afetivo, não pode fomentar mais conflitos familiares?

Parentalidade afetiva é uma tese que surgiu na doutrina de um jurista chamado João Baptista Villela, em 1979, com a premissa cristã de que é pai é quem cria. Essa teoria foi ampliada pela jurisprudência, sobretudo em caso de adoção à brasileira, quando a pessoa sabe que não é o pai e mesmo assim registra a criança que criou como filho, e para casos de madrasta ou padrasto.

Mas está muito claro no projeto que não é porque é padrasto ou madrasta que vira pai ou mãe socioafetivo. Em 2016, o STF decidiu que a parentalidade socioafetiva é forma de parentesco civil e que ela pode coexistir com a parentalidade biológica. Depois veio uma normatização do CNJ e hoje essa situação de ‘dois pais’ ou ‘duas mães’ já é possível.

Nessa parte fomos bem conservadores, porque hoje você pode reconhecer filho menor no cartório de registro civil. No projeto, filho menor em multiparentalidade, só com decisão judicial. E não pode também o padrasto ou madrasta serem impedidos de incluir o sobrenome no filho menor, só no maior. Nessa parte fui derrotado. Hoje existe um procedimento de que se o pai ou mãe biológica discordar, vai para decisão judicial. Acho que deveríamos tratar dessa maneira, mas respeito a comissão e defendo agora porque foi o que prevaleceu.

Outra mudança que chamou a atenção é a possibilidade deuma mãe registrar o filho apontando o pai na certidão, mesmo sem oconsentimento ou conhecimento dele. Como o texto proposto impedirá eventuaisabusos ou fraudes nesses casos?

Tem gente falando que vai registrar automaticamente, mas temum procedimento. O cartório de registro civil vai notificar quem foi indicadocomo pai. Em caso de negativa dele em reconhecer ou em se submeter a exame deDNA, o oficial inclui o seu nome no registro e encaminha a ele cópia dacertidão. Depois, encaminhará o caso ao Ministério Público ou à DefensoriaPública para propor ação de alimentos e a fixação do regime de convivência.

Se o pai indicado não for localizado, esses órgãos irãopropor ação judicial para declaração de parentalidade para garantir a pensão eregulamentar a convivência. E ‘a qualquer tempo, o pai poderá buscar a exclusãodo seu nome do registro, mediante a prova da ausência do vínculo genético ousocioafetivo’.

Milhões de pessoas não têm pai no registro, porque o procedimento hoje propicia isso. A pessoa apontada como pai se nega e não se faz nada. Agora, se ele negar e não fizer prova em sentido contrário, presume-se que é o pai. Pegamos uma súmula do STJ, 301, que é aplicada no âmbito judicial e trazemos para o âmbito extrajudicial, no cartório de registro civil. Mas tem a trava, se não é pai, faz a prova.

Esse assunto nos leva a outro, dos direitos do embrião humanoe do nascituro. Houve críticas no sentido de que a versão inicial dizia que “a potencialidadede vida humana pré-uterina [embrião] ou uterina [nascituro] é expressão dedignidade humana e de paternidade e de maternidade responsáveis”. O trecho acaboualterado da seguinte maneira: “a potencialidade da vida humana pré-uterina e avida pré-uterina e uterina são expressão da dignidade humana”. Ainda assim,restaram dúvidas sobre a proteção efetiva conferida pelo anteprojeto à vidadesde a concepção. Afinal, o texto abre brechas para interpretações jurídicasque facilitem o aborto ou sua total descriminalização?

Não, primeiro porque o Código Civil não deve serinterpretado para essa discussão, que é de direito penal [a proteção doembrião se dá pela previsão de punição criminal para o aborto no Código Penal].Usar interpretação do Código Civil para aborto, com o devido respeito, é totalmenteequivocada.

A maioria da comissão de juristas é da minha posição doutrinária e também a da professora Rosa Maria Nery, que reconhece que o nascituro é a pessoa desde a concepção. Tanto que a gente colocou no artigo 11, parágrafo 4º, que ‘a tutela dos direitos de personalidade alcança, no que couber e nos limites de sua aplicabilidade, os nascituros, os natimortos e as pessoas falecidas’.

Significa que haverá possibilidade de ingresso de ação de dano moral em favor do nascituro, dano extrapatrimonial. Se usarem indevidamente o nome de um nascituro, cabe tutela preventiva para impedir o uso do nome. O nascituro é tratado como pessoa, o direito da personalidade é próprio da pessoa. O Código Civil hoje, para mim, já é concepcionista.

A mudança no artigo 1.511-A, cuja redação final contempla que“a potencialidade da vida humana pré-uterina e a vida humana pré-uterina euterina são expressões da dignidade humana”, não está dizendo que o nascituronão é pessoa, que é “potencialidade de vida”. A potencialidade de vida é ogameta, o espermatozoide e o óvulo, antes da fecundação. E esse artigo foifeito para vedar a venda de gameta, já que estamos tratando de reproduçãoassistida.

redação anterior já era para vedar a venda de espermatozoide e óvulo, não para dizer que o embrião não é vida humana. E para esclarecer agora ficou bem claro que embrião, gameta, vida humana pré-uterina, e a vida humana uterina, o nascituro, são expressões da dignidade humana. A gente coloca essa questão na proteção da família, sempre dizendo que é vida humana, são pessoas. E os pais são responsáveis por essa vida desde a concepção.

E o artigo 1.701-A, que trata dos ‘alimentos devidos aonascituro e à gestante’, diz que ‘havendo indícios da paternidade, serãofixados alimentos, devidos pelo genitor ao outro parceiro, com a finalidade decontribuir para o sustento do nascituro e da gestante durante a gravidez’. O códigoatual já é assim, mas fala que o juiz ‘fixará alimentos gravídicos queperdurarão até o nascimento da criança’.

Está errado, porque os alimentos não são para o estado damulher, são para ela e para o nascituro. O código atual já é concepcionista, areforma aprimora essa visão, que é majoritária.

No tema das heranças, é verdade que uma pessoa viúvaperderá esse direito, que será apenas para os filhos ou pais da cônjuge quemorreu?

Primeiro devemos distinguir meação de herança. A meação é ametade dos bens de um casal sobre a qual tem direito cada um dos cônjuges. Aherança é a outra metade que restou para os herdeiros em caso de falecimento deum deles. Lembrando que hoje a maioria da população do Brasil se casa porcomunhão parcial de bens [cuja meação se dá apenas sobre aquilo adquirido duranteo casamento], além da meação, a viúva vai concorrer com os filhos quantoaos bens particulares do falecido, que são aqueles bens que ele já tinha antesde casar.

Mas isso é muito confuso, gera insegurança jurídica e amaioria da população não entende. Foi instituído no código de 2002, mas não eraassim no código de 1916. Do ponto de vista do fundamento da sucessão, isso nãotem a menor razão. E a maioria da população casada adquire os bens durante ocasamento. Então a comissão resolveu ampliar a participação em regime de bens parafins da meação, ampliando bastante. Na comunhão parcial, haverá participação narenda, no valor de um aluguel de um bem particular como um apartamento, em cotade ações, em aplicação financeira mesmo que seja só do outro cônjuge, previdênciaprivada… tudo isso a viúva terá direito à metade e já vai ser dela na meação.

E então a comissão decidiu voltar para o sistema de 1916, em que a herança, que é o que restou após a meação, fica primeiro para os descendentes, que são os filhos e netos, que são o fundamento principal da sucessão, que é a continuidade. Não havendo filhos, para os pais. E esses, não estando vivos, aí sim vai para a viúva.

Ainda assim, o cônjuge terá direito à habitação, ou seja, a viúvacontinua na casa em que morava com o falecido. Além disso, aquele parente queajudou nos últimos dias a cuidar do falecido vai ter 10% da herança, com antecipaçãode usufruto.

Em relação à parte econômica, na qual o sr. teve grandeparticipação, o que muda?

Já houve uma diminuição de conflitos em contratosempresariais por causa da Lei de Liberdade Econômica. A gente está ampliando aliberdade para grandes contratos empresariais. A tendência é diminuir o conflito,para trazer mais previsibilidade. Lembrando que muitas dessas disputas grandesestão em arbitragens, não no Judiciário, mas queremos reduzir os conflitosjudiciais também.

O texto proposto diz, no artigo 966-A, que ‘as disposiçõesdeste Livro devem ser interpretadas e aplicadas visando ao estímulo doempreendedorismo e ao incremento de um ambiente favorável ao desenvolvimentodos negócios no país’. E que devem ser observados princípios como ‘liberdade deiniciativa e da valorização e aperfeiçoamento do capital humano’, ‘liberdade deorganização e livre concorrência, da atividade empresarial’, ‘autonomiaprivada, que somente será afastada se houver violação de normas legais de ordempública’; ‘autonomia patrimonial, das pessoas jurídicas, conforme seu tipo societário’;‘limitação da responsabilidade dos sócios, conforme o tipo societário adotado’,‘força obrigatória das convenções, desde que não violem normas de ordem pública’;‘preservação da empresa, de sua função social e de estímulo à atividadeeconômica’.

A função social aí não é para o Estado intervir na empresa,é para manter a empresa. Pois muitas vezes há uma interpretação errada defunção social. Foi usado muito na pandemia para preservar a empresa e o emprego.

O texto valoriza a propriedade, a autonomia patrimonial, nãosó nesse artigo, porque há uma regra que inclusive estende o direito depropriedade para bens imateriais, como marcas e patentes. Agora, a funçãosocial é para evitar abuso no exercício, e é exceção aplicar, não a regra.

Alguns juristas ficaram preocupados com novas regras sobre a posse e propriedade da terra. Cogitaram a possibilidade de invasores se apossarem e passarem a reivindicar de forma coletiva a ocupação, em movimentos sem-terra. Isso poderá ocorrer?

Não. O artigo 1.198 traz uma novidade, que diz que o direitodo possuidor de ser mantido na posse poderá ser exercido de maneira coletiva.Mas isso não vale para o invasor, mas para o possuidor legítimo. Quem invadepropriedade não é possuidor. Isso é para tutela coletiva de quem é possuidor.Por exemplo, foi feito um loteamento, e o loteador sumiu. Tem um grupo depessoas que está ocupando a área e que tem um documento, mas em nome doloteador que deu um golpe e sumiu. E esse grupo, por meio de um advogado só,quer fazer a defesa da posse. É isso, e não tem nada com movimento popular deinvasão.

Outro ponto que preocupou está no artigo 1.228, sobredesapropriação. Proprietários com a terra invadida podem ter a terra desapropriadasem indenização, caso os invasores sejam de baixa renda e o Estado fique forada ação?

Esse artigo diz, no parágrafo 4º, que ‘o proprietário podeser privado da coisa se o imóvel que se busca reivindicar ou reintegrar naposse consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais decinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado,em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz deinteresse social e econômico relevante’. Isso já está no atual código.

A novidade está no parágrafo 7º, segundo o qual ‘a justaindenização devida ao proprietário, nos termos do § 6º, somente deverá sersuportada pela Administração Pública em se tratando de possuidores de baixarenda e desde que tenha havido a sua intervenção no processo, nos termos da leiprocessual’.

O parágrafo 6º diz que ‘o juiz fixará a justa indenizaçãodevida ao proprietário pelos ocupantes’. Nossa proposta traz mais segurançajurídica, porque tem gente que defende que seja a administração públicadiretamente. Mas para os casos de família de baixa renda, excepcionalíssimos,quem paga é administração pública.

Mas se a administração pública não estiver no processo, nãotem indenização nem desapropriação. Cabe reintegração de posse para tirar oocupante dali. Não tem expropriação de terra.

Outro tema importante é o penhor rural, que é muito bom para o agronegócio, que é quando o produtor oferece máquinas, animais, etc. como garantia para pegar financiamento no banco. A gente facilitou muito penhor rural, diminuiu burocracias. O fazendeiro poderá dar em penhor a uma colheitadeira que ele ainda está pagando e receber um novo financiamento.

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