A proposta apresentada por Renan Santos, pré-candidato à Presidência da República pelo partido Missão, que prevê a redução do número de deputados federais e senadores do Acre e admite a possibilidade de uma intervenção federal de caráter técnico, deve ser julgada não por fetiches procedimentais, mas por evidências empíricas elementares. Democracias não colapsam por falta de discurso, mas por incapacidade administrativa. Quando o Estado deixa de produzir resultados minimamente racionais, a liturgia representativa converte-se em ornamento que só serve ao gozo da elite extrativa consolidada nos núcleos de poder locais.
O Acre encontra-se aprisionado em um low-level equilibrium. Não se trata de atraso ocasional, mas de um sistema que aprendeu a fracassar com regularidade e a tratar esse fracasso como normalidade operacional. Entre 2019 e 2023, o estado foi o que menos investiu em saneamento básico no Brasil, destinando recursos residuais a um setor cuja ausência cobra custos diários à população. O resultado é conhecido: menos da metade dos habitantes com acesso à água potável, coleta de esgoto restrita a uma fração irrelevante da população e tratamento praticamente inexistente. O fracasso não corrige o sistema; ele o estabiliza.
A deterioração fiscal acompanha essa lógica. O Acre figura entre os piores desempenhos do país no Índice de Liquidez, com 132,1%, revelando incapacidade estrutural de honrar compromissos de curto prazo com recursos próprios. O Estado opera permanentemente no limite, sobrevivendo por adiamentos, endividamento e improvisações contábeis. Não há margem para planejamento; há apenas administração da escassez. A crise deixa de ser exceção e passa a ser método.
Nesse contexto, o problema central não é a ausência de regras, mas o excesso de tolerância. As normas existem, porém sua aplicação é seletiva, negociável e funcionalmente inofensiva. A autoridade pública não desaparece; ela é domesticada. A administração aprende a conviver com desperdícios, a naturalizar ineficiências e a evitar conflitos, mesmo quando isso implica operar abertamente contra o interesse coletivo. Governa-se sem governar.
A falência institucional manifesta-se de forma particularmente cruel na saúde. O Acre possui uma das menores densidades de equipamentos de diagnóstico por imagem do país no SUS. Tomógrafos, aparelhos de ressonância magnética e equipamentos de ultrassonografia são escassos, mal distribuídos e insuficientes. O Índice de Desigualdade Público-Privado atinge níveis obscenos: usuários de planos de saúde chegam a ter mais de 18 vezes o acesso aos exames em comparação aos usuários exclusivos do SUS. O direito universal à saúde transforma-se, na prática, em um privilégio de mercado.
Na educação, o padrão se repete. No Enem de 2024, o Acre registrou média significativamente inferior à média nacional e distante dos estados mais bem colocados. A diferença não é marginal; é estrutural. Não se trata de um desvio estatístico, mas de um sistema incapaz de produzir capital humano em escala minimamente competitiva. A retórica educacional sobrevive; o desempenho real não.
A estrutura de representação política aprofunda esse arranjo. Um número excessivo de posições políticas, desproporcional ao tamanho da população, amplia o espaço para captura do Estado e dilui qualquer noção de responsabilidade por resultados. O sistema não seleciona competência, mas adaptabilidade ao jogo. Alternam-se os ocupantes, preserva-se o mecanismo. Muda-se o discurso; mantém-se a ineficiência.
Com o tempo, a política deixa de ser meio e se converte em fim. A gestão pública transforma-se em ritual burocrático repetido independentemente dos resultados. Avaliar desempenho passa a ser visto como ameaça; fracassar, como rotina. O Estado não colapsa: ele se acomoda em um patamar baixo, estável e socialmente destrutivo.
A redução do número de deputados federais e senadores do Acre incide diretamente sobre esse equilíbrio perverso. Ao restringir a multiplicação de cargos e rendas políticas, eleva-se o custo da ineficiência e reduz-se a margem de autopreservação improdutiva. Não se trata de negar representação, mas de retirar dela o conforto da irrelevância prática.
A intervenção federal, quando temporária e orientada por critérios técnicos, segue a mesma racionalidade. Em sistemas incapazes de autocorreção, a autoridade externa não representa ruptura autoritária, mas tentativa tardia de realinhamento institucional. A imposição de padrões mínimos de gestão, a profissionalização da burocracia e a redução da tolerância ao desperdício não suspendem a democracia; suspendem a complacência.
Defender a manutenção de um arranjo que produz, ano após ano, incapacidade fiscal, precariedade sanitária, desigualdade no acesso à saúde e baixo desempenho educacional não é defesa da democracia. É defesa da rotina do fracasso. A ruptura controlada com esse equilíbrio de baixo nível não é ameaça institucional; é, possivelmente, a última oportunidade de transformar democracia formal em capacidade estatal real.
Como já dizia Roberto Campos: ’O mundo não será salvo pelos caridosos, mas pelos eficientes.’ Temos, portanto, duas opções: o desenvolvimento ou a eterna servidão a um modelo corrompido de administração pública. Um modelo que, independente de ser gerido por ’esquerda’ ou ’direita’ — se esses rótulos ainda têm alguma validade, o que duvido profundamente —, perpetua e retroalimenta um ciclo vicioso de deterioração da gestão estatal, condenando o povo a uma vida de penúria.
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Por Danton Moura – Graduando em Economia, integrante do PET Economia da Universidade Federal do Acre (UFAC); participante do programa Jovens Talentos pela Liberdade, do Instituto Millenium; membro do Students For Liberty Brasil (SFLB).
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Diário do Acre.




