Rio Branco: Cidade Insustentável

A formação do mundo pós-moderno ocorre em meio a situações conflitivas de uma profunda crise civilizatória que tem se manifestado através dos repetidos ciclos econômicos, nas perdas das identidades culturais de muitos povos e nações, na fragmentação social crescente, na crise de governabilidade e de credibilidade política. O capitalismo do final do século XX contaminou e destruiu o tecido social formado durante vários séculos. Grandes somas de nações e populações foram ou estão sendo empurradas para o desamparo coletivo cuja pobreza parece mostrar-se irreversível e crônica. A cultura do consumismo, hoje transnacionalizada, alcança todas as partes do planeta por mais distante e inóspito que seja, sem que, contudo, o consumo essencial e indispensável tanto para vida material e espiritual esteja plenamente acessíveis a todos os que nele habitam. Na esteira desta questão, identifica-se também uma progressiva perda de sensibilidade humana na medida em que as pessoas são transformadas e/ou reduzidas a meros e passivos consumidores tendo como resultado a prevalência da ética do poder e do possuir que tem levado a violência cotidiana sem controle e as discriminações de crenças, gênero, raças, estilos de vida e preferências. Estes são os impulsos externos que atingem de forma devastadora a política e a sociedade de Rio Branco também.

No lado interno, o declínio da economia gumífera adicionado à implantação da pecuária extensiva marcou o inicio de um progressivo processo de transição de uma cidade predominantemente florestal para uma outra de base urbana. Mais que isso. Nas últimas décadas protagonizadas por um grupo político, repetiu-se incansavelmente ser o Acre da floresta. Todavia, o que se constatou foi a crescente falta de oportunidades econômicas e sociais, motivada, pelo decréscimo da sua capacidade produtiva e pela falta de investimentos, responsáveis pela desarticulação das relações urbano-florestais, pelo processo de concentração urbana exagerada bem como pela perda da influência das florestas e do campo no processo de organização da vida urbana. Desta forma, sendo administrada na contramão da lógica e do bom senso, Rio Branco, a maior cidade e maior e mais importante do Estado do Acre, depende cada vez menos, para seu funcionamento, das áreas florestais e campesinas, submetendo-se assim a um intenso e acelerado processo de favelização e periferização.

Após sucessivos governos com diferentes grupos na governança de Rio Branco, contando, em alguns momentos com apoio incondicional do governo do Estado do Acre e do Governo Federal, os diferentes Prefeitos que gestionaram Rio Branco foram incapazes de implantar ações que tivessem o poder de atenuar os problemas acima descritos bem como esboçar soluções para resolver problemas domésticos mínimos. Foram incapazes de compreender que os principais problemas socioambientais de Rio Branco e dos demais municípios acreanos estão em um modelo de desenvolvimento irracional, socialmente desigual e ambientalmente degradador, em que predominam a fragmentação das relações espaciais, das identidades coletivas e da desarticulação das relações urbano-florestais.

Nos últimos cinquenta anos, Rio Branco, por exemplo, recebeu o maior contingente populacional do Estado do Acre que ocuparam as margens do Rio Acre e seus afluentes da área urbana, para montante e para jusante, dentro das planícies de inundações e no primeiro terraço, dando origem a mais de sessenta bairros totalmente desprovidos de infraestrutura, fato que, na maioria dos casos, submetem seus habitantes a condições sub-humanas de vida. Anualmente, em média, por ocasião do pico do período chuvoso, como estamos presenciando neste momento, ocorre entre os meses de dezembro a março, cerca de 80 mil a 150 mil pessoas precisam ser evacuados pela defesa civil, resultando em custos que fazem falta aos já comprometidos cofres da municipalidade.

O nível e qualidade de vida da maioria da população de Rio Branco são muito baixos. Aproximadamente 60% desta ganha menos de dois salários mínimos e mais de 60% moram em áreas invadidas de forma espontânea ou induzida cuja arquitetura predominante é barracos, que oferecem à cidade um traço característico de periferização.

O núcleo urbano de Rio Branco tem sofrido nos últimos anos um acentuado crescimento, cuja manifestação tem ocorrido em forma de novos loteamentos e áreas de invasão. A malha urbana apresenta-se totalmente irregular ou dispersa, indicando que a cidade tem sido ocupada e o planejamento é uma prática absolutamente ausente no governo local, demonstrando a ineficácia e leniência quanto as suas funções precípuas.

O centro urbano de Rio Branco ocupa apenas 5% da cidade e abriga quase todas as atividades administrativas, o comércio e as instituições sociais. Suas ruas são estreitas e com forte mobilidade em sua direção, principalmente de automóveis, que tornam as vias obstruídas, saturando-o.

Os bairros consolidados da parte interna da cidade e suas numerosas áreas de expansão urbana deram origem a crescentes áreas de comércio e serviços onde, grande parte da população de baixa renda que, em função de suas baixíssimas condições financeiras, se vê cerceadas de suas possibilidades de mobilidade e de acesso a outras partes da cidade, dirigem-se para esses micro centros para efetuarem suas compras, dotando-os assim, de dinamicidade e de estruturas concêntricas sem que esse potencial seja observado pelo gestor municipal quanto a adoção de medidas que possam facilitar a vida que quem ali produz, vive e trabalha.

Existe em Rio Branco e nas demais cidades acreanas uma clara tendência de artificialização dos sistemas ambientais manifestadas através da pavimentação de extensas áreas, com reduzidas quantidades de áreas verdes, inexistência de arborização e a manifestação de um inexpressivo sistema de parques e praças desarticulados, desequilibrados e em fase de profunda degradação em função da má conservação, configurando em reforço à insustentabilidade.

A capital do Estado do Acre não possui um limite entre a área urbana e rural. Este limite poderia, por exemplo, ser definido por parques e/ou bosques (unidades de conservação) urbanas, funcionando como uma espécie de zona de amortização natural entre o urbano e o rural ou filtro aos impactos decorrentes da ocupação desordenada, que atuam como um dos fatores principais da periferização.

A capital do Estado do Acre, está submetida a uma lógica do transporte individual. O transporte público é ineficiente sob vários aspectos, caro e muito pouco diversificado. A bicicleta, meio de transporte do povo pobre cujo uso é expressivamente majoritário, não ocupa quase nenhum espaço no sistema viário urbano. São praticamente inexistentes espaços amplos para caminhada, pedestres e para o ócio.

A principal cidade do Estado do Acre está desenhada e mantida para o consumo excessivo de combustível fóssil e energia elétrica. Todos os prédios públicos não levam em conta na sua arquitetura os princípios bioclimáticos regionais. Pelo contrário, foram desenhados para o uso ininterrupto do ar condicionado e da iluminação artificial. Inexistem iniciativas para uso alternativo de energias.

Ademais, a densa rede de drenagem não funciona de acordo com as leis naturais, é permanentemente agredida pelo lançamento de dejetos líquidos e sólidos e tem sido intensamente alterada pelo próprio poder público municipal alterando assim o seu funcionamento e contribuindo de forma decisiva para que seu sistema fluvial transborde para além do seu leito natural. A capacidade produtiva de Rio Branco é quase inexistente. Além disto, os seus governantes até hoje não foram capazes de lhe dar uma função compatível ao seu potencial que existem e não são poucos.

Até hoje Rio Branco tem tido a função tão somente de oferecer serviços públicos e privados, os quais são responsáveis por cerca de 50% dos empregos oferecidos à população. Aproximadamente 35% da mão de obra ativa de Rio Branco trabalham de 3 a 4 meses por ano nas fazendas de pecuária extensiva da região do entorno de Rio Branco. O resto do ano, ou seja, os 7 a 8 meses restantes esta população dedica-se as atividades informais. Os 15% restantes ocupam-se na incipiente indústria e na agroindústria que lutam para sobreviver diante dos impostos e taxas cada dia mais escorchantes.

Rio Branco é uma cidade consumidora que produz quase nada do que consome, obrigando-se, portanto, a trazer de longas distâncias alimentos e todo tipo de bens e consumo, conforme se observa nas gôndolas dos supermercados. Em Rio Branco não se recicla ou reutiliza-se praticamente nada e assim, predomina em parte expressiva da população o paradigma do desperdício, com o estímulo do poder público municipal. Portanto, o modelo de desenvolvimento urbano implantado em Rio Branco é insustentável nas suas três dimensões: econômica, social e ambiental.

Soluções existem, desde que haja compromisso social, competência técnica e criatividade administrativa, características essas completamente ausentes nas últimas décadas nos gestores estaduais e municipais.

Jairon Alcir Santos do Nascimento é Professor Titular da Universidade Federal do Acre (UFAC), doutor em Geociências e Meio Ambiente, e pós-doutor em Estudos Geográficos e Ordenamento do Território.

Fernando Lage é empresário, CEO da Granja de Suínos Bela Flor e um dos idealizadores do Instituto Liberal do Acre (ILAC). Atua como articulador, promovendo o debate sobre liberdade econômica e desenvolvimento regional.


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