Silmar Vieira: ‘Diversos regimes de agropecuária, um só Agronegócio’

Como bem já advertia Pero Vaz de Caminha em sua carta ao Rei Dom Manuel de Portugal, em 1500: nesta terra, em se plantando, tudo dá! E ele tinha toda razão. Embora sequer pudesse se dar conta do quão bem descrevia o Brasil que, apesar de seu breve período de extrativismo madeireiro do Pau-Brasil e do ouro e pedras preciosas das Minas Gerais, nunca deixou de ser um país rural, fato que nos incomodou por muito tempo, foi e parece ainda ser motivo de vergonha para alguns, mas que hoje nos coloca no mais estratégico dos patamares da economia global: a produção de comida.      

Parafraseando Willi Backes, visionário idealizador e organizador da Feira Agroponte, o nosso povo do interior conhece em detalhes a vida nas cidades e todos os costumes dos habitantes urbanos. Porém, a recíproca não é verdadeira, e a população urbana não conhece praticamente nada sobre o modus vivendi das pessoas do meio rural. Não raro, justamente por ignorar essa cultura, a população urbana é contaminada por conceitos equivocados sobre produção agropecuária, cuidados com meio ambiente e alimentação saudável. Este é um dos motivos que levou a esta parceria com o Portal Engeplus, onde teremos a oportunidade de abordar não só as notícias cotidianas, como debater conceitos, esclarecer controvérsias e, acima de tudo, trazer informação de qualidade. Como primeiro tema de debate, nos propusemos a discutir um pouco a questão da separação dos regimes de produção agropecuária.  

No início dos anos 2000, começou a ser introduzido no Brasil um conceito de divisão do agronegócio, separando a produção extensiva praticada em grandes propriedades rurais, muitas em regime empresarial ou condomínio, da produção em pequenas propriedades, na maioria tocada pela própria força de trabalho da família residente, ou com a ajuda de uns poucos parceiros, chamados de meeiros ou camaradas. A esta modalidade de negócio se denominou Agricultura Familiar.

Nessa linha de pensamento, dividia-se o agronegócio nacional em três categorias distintas: o latifúndio composto por fazendas com grandes extensões de terras, tocado por profissionais de várias áreas, contratados com o objetivo de gerir os negócios da fazendo, nos mesmos moldes de uma empresa. O entendimento é de que esta categoria de agropecuaristas tinha força econômica e política suficiente para se virar, tanto no mercado nacional, em busca de linhas de crédito, financiamentos e busca de investidores, bem como no mercado externo, engatando negócios rentáveis em exportações e importações de produtos afins. Una-se a este grupo os grandes conglomerados de esmagamento de soja e milho, os grandes frigoríficos e as grandes usinas de produção de açúcar e álcool. Para esta categoria, o governo criou linhas especiais de crédito, mas com subsídios pequenos e prestando mais facilidades com desburocratização de processos do que bancando juros mais baixos.

A segunda categoria seria dos pequenos e médios produtores rurais, em áreas de terras que comportassem um volume de produção que pudesse sustentar investimentos menores, mas que contavam com a contratação de profissionais para auxiliar na parte técnica e administrativa, bem como na contratação de mão obra para os afazeres diários. Mesmo nesses casos, em grande parte os donos da terra não sabiam nada das lides diárias, cabendo essa parte aos contratados, numa relação meramente comercial com vínculos empregatícios nos mesmos moldes dos empregos urbanos. Para este grupo o governo faria um esforço um pouco maior, criando linhas de crédito subsidiadas pelo Tesouro Nacional, amortizando os custos do dinheiro para financiar as safras, sob a alegação de incentivar a criação de empregos no meio rural, além de produção de alimentos mais baratos para o consumidor final.

Por fim, vem a chamada Agricultura Familiar, composta majoritariamente por pequenas glebas de terra, onde a administração e a força de trabalho são oriundas da própria família, como já citado acima, ou contando com meeiros, geralmente trabalhadores rurais que não possuem terras e que empreitam lavouras em comodato ou a meia (daí o nome meeiro), onde o dono da terra entra com os recursos de plantio e maquinários e o meeiro com sua força de trabalho e da família. O período pode ser por safra, ou apenas em períodos específicos como plantio ou colheita, por exemplo.

Entendendo que este grupo enfrenta maiores dificuldades financeiras e com maior vulnerabilidade social, os governos foram criando políticas mais específicas de apoio, tanto subsidiando linhas de credito especiais com juros amortizados pelo Tesouro Nacional, bem como com assistência técnica gratuita, uma vez que ficaria inviável a contratação de profissionais para assessoria em áreas tão pequenas. Muitas estimativas foram sendo divulgadas ao longo dos anos com muitas discrepâncias entre os números apresentados. A estimativa é de que em torno de 70 a 80% dos alimentos in natura que chegam à mesa dos consumidores brasileiros, sejam oriundos destas pequenas propriedades em regime de Agricultura Familiar.

A partir disso, afinal de contas, existe uma separação entre Agronegócio e Agricultura Familiar? Justifica-se a separação do ministério da Agricultura criando o ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e o da Pesca e Aquicultura?

Creio que estas perguntas sejam importantes demais para tentar explicar em poucas linhas e mereçam um segundo texto onde poderemos abordar com mais riqueza de detalhes os conceitos que envolvem o tema e que estaremos postando aqui nos próximos dias. Por hora deixamos aqui uma amostra do que pretendemos abordar nesse importante espaço nessa parceria com o Portal Engeplus, onde esperamos poder esclarecer e contar um pouco mais do mundo do agronegócio todos os dias. 

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