A revista inglesa The Economist, há longos anos um porta-voz daquilo que se convencionou chamar de “esquerda mundial civilizada”, parece enfim ter perdido a paciência com Lula e seu governo.
Depois de uma sequência de artigos cada vez mais críticos, The Economist publicou neste domingo, 29, um texto que não deixa margem a dúvidas: para a publicação, Lula já deu — é um fracasso dentro do Brasil, irrelevante no cenário internacional e deixou de ser funcional até como símbolo. Confira o artigo na íntegra, traduzido por Oeste.
Lula está perdendo influência no exterior e é impopular em casa
Em 22 de junho, horas depois de os Estados Unidos atacarem instalações nucleares iranianas com enormes bombas fura-bunker, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil divulgou um comunicado. Nele, o governo brasileiro “condena veementemente” o ataque norte-americano e afirma que os bombardeios foram uma “violação da soberania iraniana e do direito internacional”. Esse tom forte colocou o Brasil em desacordo com todas as demais democracias ocidentais, que ou apoiaram os ataques ou apenas manifestaram preocupação.
A aproximação do Brasil com o Irã deve continuar nos dias 6 e 7 de julho, quando o Brics — um grupo de 11 economias emergentes que inclui Brasil, China, Rússia e África do Sul — realizará sua cúpula anual no Rio de Janeiro. Espera-se que o Irã, que se tornou membro do Brics em 2024, envie uma delegação. Atualmente, o bloco é presidido pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Originalmente, ser membro oferecia ao Brasil uma plataforma para exercer influência global. Agora, faz o país parecer cada vez mais hostil ao Ocidente. “Quanto mais a China transforma o Brics em um instrumento de sua política externa, e quanto mais a Rússia usa o Brics para legitimar sua guerra na Ucrânia, mais difícil será para o Brasil continuar dizendo que é não alinhado”, afirma Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas.
Os diplomatas brasileiros tentam contornar o problema ao concentrar a cúpula em temas inofensivos: cooperação em vacinas e saúde, transição para energia verde e manutenção do status de nação mais favorecida como base para o comércio internacional, em que os países tratam igualmente todos os membros da Organização Mundial do Comércio. Eles querem evitar discussões sobre um tema que o presidente dos EUA, Donald Trump, particularmente detesta: uma iniciativa do Brics para realizar transações comerciais em moedas locais, em vez do dólar. Os diplomatas brasileiros provavelmente também prefeririam que os iranianos permanecessem em silêncio. “Estamos em um momento de contenção de danos mais do que em um momento de criação de novos instrumentos”, diz um alto diplomata brasileiro ouvido pela Economist.
O papel do Brasil no centro de um Brics expandido e cada vez mais dominado por regimes autoritários faz parte da política externa cada vez mais incoerente de Lula. Ele não fez qualquer esforço para estreitar laços com os EUA desde que Trump assumiu o cargo em janeiro. Não há registro de que os dois tenham se encontrado pessoalmente, o que torna o Brasil a maior economia cujo líder não apertou a mão do presidente norte-americano. Em vez disso, Lula corteja a China. Ele se encontrou com Xi Jinping, presidente chinês, duas vezes no último ano.
Talvez a estratégia mais sensata de Lula tenha sido tentar aproveitar a perda de confiança do mundo nos EUA como parceiro comercial. Ele se aproximou da Europa e ampliou relações comerciais. Em março, visitou o Japão, que importa a maior parte de sua carne bovina dos EUA, para promover a carne brasileira como substituta. Seus ministros têm se reunido com burocratas chineses para discutir formas de aumentar as importações agrícolas brasileiras, provavelmente em detrimento das norte-americanas.
Mas isso vem acompanhado de esforços grandiosos que ultrapassam muito o peso do Brasil no cenário internacional. Em maio, Lula foi o único líder de uma grande democracia a comparecer às comemorações em Moscou pelo fim da Segunda Guerra Mundial. Ele aproveitou a viagem para tentar convencer Vladimir Putin de que o Brasil deveria mediar um acordo para encerrar a guerra na Ucrânia. Nem Putin nem qualquer outro ouviram.
Também falta pragmatismo mais perto de casa. Lula não conversa com seu homólogo argentino, Javier Milei, por diferenças ideológicas. Ao assumir o terceiro mandato, em 2023, ele abraçou Nicolás Maduro, autocrata da Venezuela, apesar de o país já ter se tornado uma ditadura em pleno funcionamento (a relação só se deteriorou depois que Maduro roubou abertamente outra eleição no ano passado). Tendo liderado a missão da ONU para estabilizar o Haiti depois do terremoto que devastou o país em 2010, o Brasil agora permanece calado enquanto o Haiti se transforma em um inferno controlado por quadrilhas. Lula parece incapaz ou sem vontade de mobilizar os países latino-americanos para apresentar uma frente unida contra as deportações de migrantes e a guerra tarifária de Trump.
A fragilidade no cenário internacional se soma à queda de popularidade de Lula dentro do Brasil. Durante seus dois primeiros mandatos como presidente, de 2003 a 2010, o país colheu os frutos de um boom das commodities, e ele foi um dos líderes mais populares do mundo. Sua força doméstica lhe dava credibilidade no exterior, e muitos de seus pares o viam como um porta-voz das economias em rápido desenvolvimento.
Agora, porém, Lula está cada vez mais impopular no Brasil. O país se deslocou para a direita. Muitos brasileiros associam seu Partido dos Trabalhadores à corrupção, por causa de um escândalo que o levou à prisão por mais de um ano (sua condenação foi posteriormente anulada). Ele construiu o partido com apoio de sindicatos, católicos engajados em causas sociais e beneficiários de programas de transferência de renda. Mas hoje o Brasil é um país onde o cristianismo evangélico cresce rapidamente, onde o emprego na agricultura e na economia de bicos avança velozmente, e onde a direita também oferece benefícios sociais.
A aprovação pessoal de Lula gira em torno de 40%, o menor patamar de todos os seus três mandatos. Apenas 28% dos brasileiros dizem aprovar seu governo. Em 25 de junho, o Congresso o humilhou ao rejeitar um decreto que ele havia editado para aumentar impostos. Foi a primeira vez em mais de 30 anos que parlamentares derrubaram um decreto presidencial, e deixaram o governo com menos espaço fiscal para gastos antes das eleições gerais do próximo ano.
Enquanto isso, o movimento MAGA de Trump está fortemente alinhado com a direita radical brasileira, liderada por Jair Bolsonaro, ex-presidente que se apresenta como um Trump tropical. Bolsonaro provavelmente será preso em breve por supostamente conspirar para dar um golpe e permanecer no poder depois de perder a eleição de 2022. Ele ainda não nomeou um sucessor para liderar a direita. Mas, se o fizer e a direita se unir em torno desse nome antes da eleição de 2026, a presidência estará praticamente assegurada.
Trump critica livremente outros líderes que têm relação muito mais amistosa com ele do que Lula. Ainda assim, ele quase não falou nada sobre o Brasil desde que tomou posse em janeiro. Em parte, isso pode ocorrer porque o Brasil tem algo que nenhuma outra grande economia emergente possui: um enorme déficit comercial com os EUA, que soma US$ 30 bilhões em bens e serviços por ano. Trump certamente gosta quando outros países compram mais dos Estados Unidos do que vendem para lá. Mas seu silêncio pode também se dever ao fato de que o Brasil, relativamente distante e inerte do ponto de vista geopolítico, simplesmente não tem tanta importância nas questões de guerra na Ucrânia ou no Oriente Médio. Lula deveria parar de fingir que tem, e concentrar-se em assuntos mais próximos de casa.