Um terço da Amazônia Legal vive sob domínio de facções

Em guerra por território na Amazônia Legal, as duas principais facções em atuação no país avançam sobre 94% das cidades sob o domínio do crime organizado na região. Mais de 8 milhões de pessoas vivem nessas áreas, indica estudo divulgado hoje pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O que diz o relatório

O estudo “Cartografias da Violência na Amazônia” verificou a presença do PCC (Primeiro Comando da Capital) e do CV (Comando Vermelho) em 168 dos 178 municípios sob o domínio de facções na região. Ou seja: 23% das 772 cidades da Amazônia Legal registram presença desses grupos.

O CV, facção do Rio de Janeiro, está presente em 58 delas — o equivalente a um terço dos municípios sob domínio do crime organizado na mesma área. Já o PCC, organização criminosa paulista, controla 28 municípios.

De acordo com o levantamento, 8,3 milhões de pessoas moram em áreas onde há guerras por território entre facções rivais. É o equivalente a um terço da população da Amazônia Legal — e mais do que a população da cidade do Rio de Janeiro (6,2 milhões)

Ao todo, há 22 diferentes grupos criminosos nos nove estados que compõem a Amazônia Legal — incluindo facções colombianas e venezuelanas. O território compreende Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão.

PCC e CV disputam território em mais de 40 cidades. Apesar de não ser hegemônica, a facção paulista tem maior capilaridade internacional — já chegou a outros países da Amazônia.

O Comando Vermelho ainda domina a área. Mas a facção paulista está presente em pelo menos cinco dos nove países que compõem a Amazônia.

Mais violência e semelhança com milícia

O estudo indica que o PCC e o CV na Amazônia têm características mais violentas e se assemelham às milícias, explorando até mesmo moradores em conjuntos habitacionais. As facções do Sudeste avançaram na região devido ao contato entre presos cumprindo pena nas unidades dos estados amazônicos.

Um dos motivos do avanço dessas facções para a Amazônia Legal foi a alteração da rota do tráfico após a morte do narcotraficante Jorge Rafaat, assassinado a tiros no Paraguai em junho de 2016. “Esse avanço está relacionado à presença de locais estratégicos ligados à rota do tráfico da tríplice fronteira para o Brasil”, diz Aiala Couto, um dos responsáveis pelo estudo.

O acordo de paz com as Farcs [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia], a crise econômica na Venezuela e a morte do Rafaat são três eventos considerados marcos para alterar a dinâmica do crime organizado no Brasil.

PCC e CV não atuam nos estados da Amazônia Legal da mesma forma como atuavam nos estados em que nasceram — São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente. As facções passaram a ampliar o repertório criminoso para a exploração ilegal da madeira, ouro e grilagem de terra.

O relatório aponta que a taxa de pessoas privadas de liberdade na Amazônia Legal cresceu 67,3% em dez anos, enquanto a média nacional foi de 43,3% de aumento. A passagem de pessoas ligadas às facções pelo sistema prisional dos estados foi determinante para a ampliação da atividade desses grupos.

O PCC e o CV da Amazônia têm outra dinâmica de criminalidade, com mais violência e aposta no enfrentamento para disputar território. Essas facções também têm estrutura de milícia, com controle de mercado, cobrança de taxa a comerciantes e exploração de moradores em conjuntos habitacionais.

Impacto sobre outros crimes

A presença das facções criminosas na Amazônia Legal impacta em outras dinâmicas criminais. “O PCC domina outras modalidades do crime na região, como o garimpo, e são nesses espaços que a disputa ocorre”, afirma Lima, diretor-presidente do fórum.

O estudo apontou ainda que a taxa média de violência letal na Amazônia foi 45% superior à média nacional. “As mortes estão vinculadas a diferentes causas: na região norte do país, há maior presença de jovens, o crime se associa à dinâmica ambiental e às capacidades institucionais do Estado limitadas e focadas em respostas militares.”

A Amazônia Legal é uma região historicamente violenta, mas, desde 2016, o cenário alcança outro patamar. “Com a morte do Rafaat, o Comando Vermelho precisou refazer a logística e expandir a atuação para o Norte”, diz Lima. “Com outras facções menores orbitando na região, com o tráfico de drogas, de animais e de seres humanos, o crime organizado encontra condições para o domínio territorial armado.”

O crime organizado mudou a ocupação do território amazônico nos últimos anos. “A exploração ocorria de fora para dentro, os seringueiros chegavam, extraíam e deixavam a região. O crime organizado ocupa os territórios e se insere nas atividades locais.”

Não é possível pensar o desenvolvimento da região com uma estrutura insuficiente. Não é possível garantir segurança ambiental se não se pune quem destrói o meio ambiente ou quem assassina lideranças indígenas e locais.

‘Guerra silenciosa’

A expansão do PCC pelo território da Amazônia Legal tem produzido uma “guerra silenciosa”, segundo familiares de integrantes da facção. “Tudo é novidade, as relações entre os grupos estão se estabelecendo”, afirma Chagas, membro do fórum e professor da Universidade Federal de Roraima.

Nos últimos sete anos, os grupos locais se reorganizaram para fazer frente à presença das facções do Sudeste. “Grupos como FDN (Família do Norte), no Pará, ou A Maioria, em Roraima, tentaram enfrentar o PCC. Já o CV atua a partir de parcerias locais.”

Há ao menos cinco facções internacionais que entraram no território — dois grupos colombianos formados por ex-guerrilheiros das Farc, duas facções venezuelanas e uma organização boliviana. “Elas têm interagido a partir do mercado do crime. Mas não existem indícios de radicalização político-ideológica.”

A expansão do PCC nesses territórios traz também uma influência simbólica. “Há relatos de crianças em biqueiras [pontos de comércio de drogas] assistindo os depoimentos do Marcola [apontado como líder da facção]. Temos visto pichações em banheiros de escolas”, afirma Chagas. “Esses grupos oferecem uma espécie de carreira no crime.”

Estamos muito preocupados com os territórios indígenas. Os indígenas têm relatado que grupos de narcotraficantes são mais violentos do que de garimpeiros porque tendem a cooptar os indígenas com metralhadoras e fuzis.

Da redação do Diário do Acre, com informações de Fabíola Perez e Herculano Barreto Filho do UOL

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