Valterlucio Campelo: ‘ Há neojacobinos por aí. Cuidemos da democracia’

Um dos períodos mais negros da história foi vivido na Revolução Francesa, entre 1793 e 1794, durante a vigência plena da Lei de 22 prairial (junho de 1794), que criou o Tribunal Revolucionário, instituído para “punir os inimigos do povo”. Em seu artigo VI, a Lei define em vários itens quem são aqueles que se colocarem de algum modo contra a revolução.

Na França, o Terror Jacobino como ficou conhecida essa quadra revolucionária que foi de setembro de 1793 com a Lei dos Suspeitos, a 27 de julho de 1794 com a prisão de Robespierre e seus aliados, foi responsável nesse pouquíssimo tempo, realizar aproximadamente 16.594 execuções oficiais por guilhotina e cerca de 25.000 mortes sumárias, sem julgamento formal, além de milhares de mortes em prisões e decorrentes de maus-tratos.

Entre os itens da Lei 22 de prairial, está objetivamente declarado: São inimigos do povo aqueles que espalharam falsas notícias para dividir ou para perturbar o povo. Muitos franceses, ilustres e comuns, clérigos e gente do povo, foram assassinados brutalmente por ofender esse inciso da Lei revolucionária. Era proibido “mentir” e quem dizia o que era a verdade ou mentira era o Tribunal. Lembra algo?

Um caso bastante conhecido foi o de Madame Roland. Ela era conhecida por seu salão literário e, embora não fosse uma política formal, suas opiniões contra a revolução eram bem conhecidas. Ela foi acusada de ser uma “inimiga da Revolução” devido às suas relações com os girondinos, um grupo político moderado que se opunha aos jacobinos. As acusações eram vagas e baseadas em suspeitas, não em evidências concretas. Foi presa em 1793 e levada a julgamento perante o Tribunal Revolucionário. Em 8 de novembro de 1793, ela foi guilhotinada.

Madame Roland não pertencia à nobreza, não descendia do clero e era casada com um simples inspetor de manufaturas, mas teve a ousadia de falar algo que aos jacobinos pareceu mentira contra a revolução, foi o suficiente para que as Leis da época a levassem ao patíbulo. Não tem nada a ver com certa manicure presa em Brasília no dia 08 de janeiro de 2023.

Isto é, basicamente, o que dizem os ministros do nosso Supremo Tribunal Federal – STF, embora não esteja explicitado em lei alguma. Ou seja, a critério do judiciário, está sendo considerado inimigo do povo e sujeito à guilhotina de sua existência social – perda de acesso às redes sociais, qualquer do povo e até parlamentares que, por acaso, emitam opiniões divergentes daquilo que a revolução, digo, o poder, tenha como verdadeiro.

É assim que funcionam as revoluções. As maiores atrocidades são executadas sob égide de alguma lei ou interpretação jurídica encomendada para atingir determinados objetivos. Os nazistas, todos eles, se defenderam em Nuremberg dizendo que obedeciam a Lei vigente. Antes, o Holodomor e os Gulags foram executados sob amparo de decretos de Stálin.

“Peraí, Valterlucio, não estamos em nenhuma revolução”. Não mesmo?

Tente abstrair-se de suas preferências e vínculos ideológicos e reflita sobre um país cuja Corte máxima, abruptamente, dá meia volta e, na prática, anula o maior e mais vigoroso processo de apuração de crimes de corrupção levadas a cabo no governo – a lavajato, que possibilitou uma devolução bilionária de recursos, a condenação de dezenas de ricaços, empresários e dirigentes corruptos confessos e provados, que revelou a face vigarista de outras dezenas de políticos e, em caso inédito, levou à prisão o chefe deles todos, o presidente da república.

Imagine que pouco depois, em ação praticamente concertada, outro cavalo de pau jurídico coloca em condições de elegibilidade aquele chefe corrupto condenado, abrindo oportunidade para que um a um, seus vários processos sejam extintos e ele venha a se candidatar como única via de sucesso do grupo com ele restaurado.

Agora lembre um processo eleitoral escancaradamente tendencioso, para dizer o mínimo, no qual o adversário foi severamente perseguido e punido em todas as suas tentativas de interlocução com a sociedade, enquanto àquele eram permitidas todas as vantagens midiáticas. Hoje sabe-se que houve até interferência externa (caso USAID) na referida eleição em favor daquele candidato reabilitado pela justiça.

Lembre-se de uma mobilização realizada majoritariamente por gente comum, na maioria mulheres e idosos, cujo resultado foi a prisão e condenação de mais de um milhar deles, a maioria inocente da depredação havida, apenas pela opinião manifestada. Se fosse na época do terror jacobino, só aí teríamos uns 2.000 guilhotinados.

Pense agora no inexplicável inquérito do fim do mundo, que sem previsão de termo final, há seis anos persegue, pune e leva ao autoexílio jornalistas que, por direito de opinião declara em suas redes sociais de alta relevância as feridas do sistema em curso. São acusados de “mentir” pelos donos da verdade de hoje e punidos pela Lei 22 prairial moderna.

Reflita sobre a cruel e incansável perseguição jurídica e midiática sobre o candidato perdedor, cuja vida foi revirada pelo avesso dezenas de vezes, em um processo eivado de parcialidades, por fora do devido processo legal, empanturrado de suposições dadas como fatos, tudo feito no sentido de afastá-lo em definitivo do processo político.

Veja bem à sua frente, a politização declarada de quem por imperativo constitucional tem o DEVER de manter-se apartidário e isento de manifestação política, sendo estes os tutores da Lei que desobedecem. No cúmulo, telefonam a governadores estimulando candidaturas.

Pense nas seguidas tentativas de regulamentação da internet, nome bonitinho para o estabelecimento da censura em Lei, de modo a facilitar a perseguição aos que “mentirem” contra o regime. Num êxtase de poder, a perseguição ultrapassou barreiras nacionais e foram trombar com a nação mais democrática e poderosa.

Fico por aqui. Deixo de fora toda a agenda progressista movida a toque de caixa como força de transformação social e o aparelhamento das instituições do Estado, incluindo as Forças Armadas. E então? Como que isso tudo parece? Nos dias de hoje, seria revolucionário apenas um confronto armado? Uma guerra civil? Um golpe militar? Uma declaração leninista de tomada do poder pelo proletariado? A estatização da barbearia? Que tal uma revolução silenciosa, uma tirania com capa de democracia que esmaga um espectro ideológico por todas as formas enquanto facilita, ajuda, promove, dá as mãos, festeja e acode o outro?

Se o leitor acha que estamos vivendo uma quadra normal, de transformações naturalmente movidas pela dinâmica social, talvez seja hora de refletir melhor. Acima dos pobres mortais que fazem o nosso dia a dia, há uma superestrutura que comanda os comandantes, que ordena a quem dá ordens, que manipula os manipuladores, que informa a informação e, creia, pode incidir em crime quem os questiona. Há jacobinos por aí. Se no final do século XVIII eles queriam derrubar a aristocracia, hoje o alvo é a democracia liberal. Cuidemos de resistir e não percamos a esperança, lembremos que Robespierre foi guilhotinado (pintura acima).

Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS, terças, quintas e sábados no DIÁRIO DO ACRE, quartas, sextas e domingos no ACRENEWS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites. 

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