“Aqui estão os tristes que não têm louvor. Expulsos do céu, mas também do inferno profundo, não tomaram partido, nem lutaram com bravura. E agora, sem glória e infâmia, são desprezados, Para sempre vagando na escuridão sem esperança.” (A Divina Comédia, Inferno, Canto III, 37-42)
A estrofe acima está na Divina Comédia, uma das mais importantes obras literárias de todos os tempos, que, aliás, visito de vez em quando, e se refere aos que em tempos de crise, de confronto, de escolha entre a justiça e a injustiça fazem opção por cruzar os braços ou por uma posição centrista, pretensamente neutra, um NEM NEM covarde que ultimamente ganhou o nome de isentismo.
Especialmente na política os versos de Dante se aplicam perfeitamente, pois é nessa arena que se desenvolvem os mais intensos debates e as mais importantes decisões no sentido da ética pública. Ao anunciar um lugar no inferno para os que não tomaram partido, ele expõe a natureza do omisso e seu afastamento da virtude que o levaria à glória.
Em “O Príncipe”, Maquiavel, que não era dado a outra coisa senão à conquista e manutenção do poder, argumenta que, em tempos de instabilidade política a neutralidade pode ser perigosa e ineficaz. Defendia ele que os líderes sempre devem tomar partido e agir de forma decisiva, mesmo que isso fosse de alguma forma impopular.Mesmo o maior dos pacifistas conhecidos, Mahatma Ghandi, ferrenho defensor da não-violência, acreditava que a neutralidade diante da injustiça era cúmplice da própria injustiça. A literatura e a história oferecem inúmeros exemplos de como a opção pela neutralidade é, na política, sócia da vileza.
Apesar disso, nos últimos anos, a pretexto de não endossar a “polarização”, muitos políticos, juízes, jornalistas e líderes empresariais fazem a opção pelo lugar do meio como se aquela posição representasse uma sabedoria aristotélica. Não é. Em um mundo cada vez mais polarizado entre o progressismo e o conservadorismo, ou, entre esquerda e direita, se preferirem, a opção pelo isentismo é uma renúncia à verdadeira política, um escamoteamento das verdadeiras convicções ou uma inútil fuga das responsabilidades. Não pensem os omissos que enganam o eleitorado, não pensem os isentões que o povo não está vendo. No momento certo todos serão cobrados por ações e omissões. A cada um será perguntado “onde você estava quando a injustiça foi praticada?”.
Dou como exemplo mais emblemático o martírio a que estão submetidos mais de um milhar de pessoas, na maioria mulheres e idosos, presas desde janeiro de 2023. Alguns já morreram, outros estão à beira da morte, muitos tiveram suas vidas destroçadas, suas famílias desfeitas, suas rendas e patrimônio dilapidados, sua honra conspurcada. Tudo isso porque um juiz assim determinou, numa interpretação torta da Lei, movido por um sentimento de revanche e ativismo incurial.
A grande maioria dos brasileiros sabe que jamais se tratou de tentativa de golpe ou algo que o valha, a quase totalidade dos juristas vão na mesma linha, e muitos políticos, aqueles que deveriam barrar essa alopração, por interesse partidário, por medo, por terem a cauda presa em alguma gaveta suprema, ou por mera covardia,simplesmente se omitem. Muitos ainda se atrevem cinicamente a se apresentarem como defensores das mulheres, das crianças, das liberdades, dos direitos humanos, enfim, de uma pauta humanista que traem todos os dias com seu silêncio e sua omissão vergonhosa.
Ao se aproximarem as eleições para prefeito e vereadores em todo o Brasil, embora uma parte dos formadores de opinião insistam em votar exclusivamente no buraco da rua, seria bom que temas humanos como este viessem à tona. É preciso que se pergunte aos candidatos: Onde você estava quando aquelas pessoas inocentes foram presas e injuriadas? Você aplaudiu, lamentou ou ficou caladinhho(a) vendo a tragédia acontecer?
Se um candidato, qualquer que seja, não se indignou com a farsa jurídica que se abateu sobre a nação brasileira e, omissivo ou ativo, colaborou para que até hoje se mantenha a maior crueldade coletiva da história brasileira, trata-se de um crapuloso, de um câncer a ser eliminado do corpo político, não merece respeito mesmo que seja um Peter Drucker da administração pública, o que, convenhamos, não apareceu por estas plagas.
Dou outro exemplo. Nos últimos meses avançou no Brasil a partir de supremas decisões, a pauta da morte pelo aborto, inclusive de fetos com mais de 22 meses de gestação, já considerados pela ciência como viáveis, o que caracteriza um ser vivo, logo, digno de defesa conforme a Constituição Federal, o pacto de San José da Costa Rica, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e tudo que se tenha acordado ente nações democráticas. Até a recusa do médico por objeção de consciência está em xeque, querem criar uma pistolagem médica por cima do Conselho Federal de Medicina – CFM e obrigar profissionais dedicados a salvar vidas em carrascos que as ceifam. É importante que se pergunte ao candidato, onde ele estava, o que fez, o que disse, como agiu em defesa da vida.
Com as convenções partidárias foi dado o start na campanha eleitoral de 2024, sabemos quem são os candidatos e o que representam, conhecemos seu passado, seus vínculos e sua agenda política, mas precisamos de respostas sobre os grandes temas nacionais, precisamos medir sua pegada ideológica e, com ela, sua visão de mundo, o lado que realmente defendem apesar de se apresentarem em tons neutros. A métrica moral do candidato não pode ser substituída pela promessa de asfalto, não existe o bom canalha.
Sugiro a todos os omissos, inclusive aqueles que alegam motivos “pessoais”, que tirem a máscara e mostrem o rosto, desçam do muro, tenham a coragem – esta sim, aristotélica, e defendam seu candidato à luz do dia. Creiam, o povo normalmente está disposto a perdoar o pecador, mas dificilmente esquecem a covardia.
Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS e, eventualmente, no seu BLOG, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no DIÁRIO DO ACRE, no ACRENEWS e em outros sites. Quem desejar adquirir seu livro de contos mais recente “Pronto, Contei!”, pode fazê-lo através do e-mail valbcampelo@gmail.com.