Quando a Agrishow realizou sua primeira edição, em 1994, grande parte dos produtores rurais brasileiros contava só com o céu e as ondas do rádio para antever a chuva. Nos sistemas irrigados, para saber se plantas precisavam de água, o contato com o solo era manual, com as pontas dos dedos: se estivesse seco, era hora de molhar a cultura. Todas as decisões eram tomadas ali mesmo, no contato direto com a terra.
Se alguém visitou a feira naquela época e só voltou agora, três décadas depois, o cenário surpreende. Máquinas com movimentos robóticos, telas de computadores, tablets e celulares cheias de cores e gráficos, equipamentos com inteligência artificial que dialogam sobre as estratégias mais adequadas para aumentar a produtividade. Tudo convida a adentrar um novo cenário: quem manda agora são os dados.
No “agro de dados”, são eles que apontam quando plantar, quais variedades, que tipos de nutrientes são necessários, se vai chover, como colher. Orientado por eles, o agricultor assumiu um papel que não é mais tão braçal, mas ligado à gestão: de tecnologias, financeiro, de possibilidades de novos investimentos.
Esse cenário pôde ser observado na Agrishow, em vários estandes. A Toledo do Brasil, por exemplo, lançou um sistema de pesagens rodoviárias que integra soluções antes oferecidas separadamente uma das outras: sensores, câmeras, semáforos, cancelas. O software de gerenciamento Guardian funciona como uma caixa registradora, armazenando dados como data e hora da pesagem, quem é o motorista, se os pneus dos caminhões estão alinhados corretamente — caso contrário, pode haver alterações no peso da carga —, tempo de pátio e de carregamento, entre outras funcionalidades.
O acesso à balança é feito de forma automatizada, com o uso de uma tag — dispensando a presença física de um funcionário. Os dados ficam armazenados em nuvem e, mesmo quando não há conexão, vão para um servidor, sendo disponibilizados assim que o sinal é restabelecido. Segundo o analista de soluções, Leonardo Johnson, o sistema foi uma demanda do mercado, que pedia a integração de diferentes dispositivos. “Até porque o objetivo vai além de apenas pesar a carga. É garantir dados precisos para evitar fraudes”, afirma.
O presidente da empresa, Paulo Eric Haegler, e o gerente regional César Cabrera contam que a Toledo tem, atualmente, 230 colaboradores no setor de engenharia, dos quais mais da metade é voltada para o desenvolvimento de softwares. Demanda dos novos tempos.
Haegler explica que só o varejo acumula perdas bilionárias todos os anos devido a problemas na administração de cargas. Sem contar que o Brasil enfrenta dificuldades para encontrar mão de obra capacitada. Com isso, há a necessidade de aprimorar ferramentas que seriam operacionalizadas por pessoas e que ajudem, também, a reduzir “roubos”. “Deixamos de ser fornecedores de hardwares para nos tornarmos fornecedores de softwares”, explica Haegler.
Esse é um dos fatores que, na visão de Cabrera, fazem a empresa se manter em crescimento — no primeiro trimestre deste ano, o incremento nas vendas foi de 10% na comparação com o mesmo período do ano passado.
“Agro de dados” com sala de controle
No estande da Valley, especializada em irrigação, foi montada uma sala com quatro monitores para simular a central de controle que a empresa mantém na fábrica, em Uberaba (MG). É dentro deste ambiente que os profissionais captam as informações do campo e fazem as recomendações para as ações a serem tomadas nas lavouras.
Em cada um dos painéis, é possível alternar a visualização de previsões meteorológicas associadas às reservas de água no solo, volume a ser aplicado no dia, potencial de evapotranspiração vegetal, gestão de volume permitido por outorgas de uso de água, entre outros índices.
O consultor de irrigação, Alisson Tavares, e o gerente de engenharia, Matheus Kléber, contam que, no dia a dia da empresa, dois funcionários gerenciam os dados de maneira “full time”, sem contar que 80 consultores estão espalhados pelo Brasil. Além de atender, precisamente, às necessidades dos agricultores, o sistema, montado pela primeira vez na Agrishow, permite um uso mais racional da água.
“A tecnologia permite economizar, em média, 20% de água na agricultura. Só em um dos nossos clientes, uma empresa de sementes, o desperdício evitado seria suficiente para abastecer uma cidade de 90 mil habitantes”, conta Tavares.
O exemplo reforça que, em um país como o Brasil, que precisa cada vez mais reduzir custos e aumentar a produção agropecuária para se manter competitivo no mercado internacional — que, por sua vez, demanda alimentos e energia sustentáveis —, prever chuva apenas pelas nuvens ou molhar o canteiro com base na intuição serão apenas registros para o álbum de histórias da Agrishow.
*Jornalista viajou a convite da CDI Comunicação