Mais uma vez o público pagante se vê diante de uma das tapeações preferidas da política brasileira: o candidato que desiste de algo que nunca teve – e, em casos de exagero, como o último da série, volta atrás logo depois e desiste da desistência. O cidadão descobre, aí, quanto tempo perdeu acompanhando o noticiário político e essas mesas redondas com professores da USP que vão ao ar depois do horário nobre.
Foi informado, durante meses, que estava diante de uma disputa entre forças com chances reais de fazerem alguma coisa na eleição presidencial de outubro; vê, agora, que só consumiu fumaça durante esse tempo todo. É o caso de uma das mais badaladas candidaturas inexistentes da atual política brasileira – a do governador João Doria, de São Paulo.
Doria só existe na política brasileira porque grudou, de corpo e alma, na candidatura de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018. Era, então, o “Bolsodoria”, o bolsonarista número 1 do Brasil – e unicamente por conta disso foi eleito, raspando, para governador de São Paulo.
Achou, então, que a força era dele, não do padrinho, e já se colocou como presidente da República em 2022; para isso, rompeu com Bolsonaro, a quem devia a sua eleição, e saiu se apresentando como o futuro presidente do Brasil, na qualidade de grande nome da oposição de “centro”.
Morreu nesse momento, exatamente, e nunca mais conseguiu ressuscitar como um candidato de verdade. A campanha de Doria, já a partir do primeiro dia, foi tão falsa quanto uma garrafa de uísque paraguaio. No fim, ele acabou com o que tinha no começo: nada.
Desde o começo dessa história, na verdade, quem olha para a política brasileira com um mínimo de realismo tem dito e repetido que só há dois candidatos de verdade nas eleições de 2022: o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula. Inventaram, porém, uma “terceira via” – nem um nem outro, mas um nome de “equilíbrio”, “civilizado”, de preferência da modalidade “limpinho-esquerdoso”, essa que é admirada pelos banqueiros progressistas e pelos empresários com preocupações sociais.
É claro que não deu, não está dando e nem vai dar em nada de útil – não fazendo nenhuma diferença se Doria desiste ou não. Para se ter uma ideia do tamanho dessa bobagem: durante um tempo debateu-se na mídia, à sério, a candidatura do apresentador de televisão Luciano Huck como grande nome da terceira via. Pode? Aliás, fizeram pior que isso. À certa altura chegaram a considerar, acredite se quiser, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ou, pior ainda, o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia. É coisa de comédia.
O lamentável desempenho da campanha de Doria, que até agora não conseguiu mais do que 1% das intenções de voto, aparentemente não ensinou nada – continuam a falar na “terceira via”, como se uma coisa dessas fosse possível. O nome mais comentado, ainda, é o do ex-juiz Sergio Moro, que não consegue reunir púbico nem para palestras a portas fechadas, não somou apoio político nenhum desde que lançou a sua candidatura e agora mudou de partido e disse que não é mais candidato “neste momento”. Fala-se, agora, desse ex-governador Eduardo Leite. É um bom candidato para aparecer muito na imprensa e ficar em terceiro.
Naturalmente, depois da batalha perdida, aparecem os generais com as mais detalhadas explicações sobre a derrota. Doria, por exemplo, teria se enterrado porque não entendeu nada do que estava acontecendo a seu redor: imaginou que ia tornar-se muito popular em todo o Brasil com a sua máscara preta “fashion” e o seu comitê de cientistas da Covid, dizendo “fique em casa”, mandando a polícia proibir as pessoas de trabalhar e fazendo umas dancinhas incompreensíveis.
Foi uma calamidade com perda total, claro, e lhe rendeu aquele sinistro 1%, mas a questão não é a campanha morre-não-morre de Doria. A questão é que o Brasil rachou em dois campos em 2018, e a partir daí ficou cada vez mais rachado. Um campo é de Bolsonaro. O outro é de Lula. Fim de conversa. A escolha real, e única, sempre foi essa aí.
J.R. Guzzo
*J.R. Guzzo é jornalista. Começou sua carreira como repórter em 1961, na Última Hora de São Paulo, passou cinco anos depois para o Jornal da Tarde e foi um dos integrantes da equipe fundadora da revista Veja, em 1968. Foi correspondente em Paris e Nova York, cobriu a guerra do Vietnã e esteve na visita pioneira do presidente Richard Nixon à China, em 1972. Foi diretor de redação de Veja durante quinze anos, a partir de 1976, período em que a circulação da revista passou de 175.000 exemplares semanais para mais de 900.000. Nos últimos anos trabalhou como colunista em Veja e Exame.
Por J.R. Guzzo, publicado no jornal Gazeta do Povoem 31 janeiro de 2022