Você sabia que milhões de brasileiros moram em casas sem qualquer documentação? Sem escritura, sem matrícula, sem acesso a crédito ou serviços básicos. Para essas pessoas, a regularização fundiária não é um mero detalhe burocrático, mas a diferença entre a incerteza e a segurança.
Em 2017, a Lei da Regularização Fundiária Urbana (REURB) foi sancionada para resolver esse problema. A promessa era clara: facilitar a titulação de terras e permitir que moradores de áreas informais tivessem seus direitos garantidos. No entanto, sete anos depois, a realidade mostra que o caminho é mais difícil do que parecia no papel.
De acordo com dados oficiais, mais de 900 municípios já utilizaram a REURB para regularizar moradias, incluindo cidades do Acre, como Brasiléia, Cruzeiro do Sul e Rio Branco. Em Brasiléia, um dos municípios mais afetados por ocupações irregulares e pela falta de infraestrutura básica, a implementação da REURB permitiu a entrega de mais de 500 títulos de propriedade. Isso significa mais segurança para as famílias, acesso a crédito para melhorias nas residências e, principalmente, o reconhecimento legal de um direito que, por anos, esteve apenas na informalidade.
A grande barreira para a implementação da REURB nos municípios é a falta de estrutura técnica e financeira. Para regularizar uma área, é necessário um corpo técnico especializado, com engenheiros, agrônomos, juristas e peritos ambientais. Municípios pequenos e pobres simplesmente não têm essa estrutura, e acabam dependendo do governo estadual, que nem sempre prioriza essa política. Além disso, o processo de regularização pode levar anos, justamente por exigir análises ambientais detalhadas.
Um dos pontos mais relevantes da REURB é a possibilidade de regularizar terras dentro de Áreas de Preservação Permanente (APPs). Por muito tempo, a legislação ambiental rígida impediu que famílias que vivem próximas a rios ou encostas regularizassem suas moradias, mesmo quando estavam estabelecidas há décadas nesses locais. A REURB trouxe uma abordagem mais equilibrada, permitindo que essas áreas sejam regularizadas quando a ocupação não representa risco ambiental ou de segurança.
A lei divide a regularização em duas categorias:
REURB-S (Social): voltada para pessoas de baixa renda, que não precisam arcar com os custos do processo.
REURB-E (Específica): aplicada a quem tem condições de pagar pelos trâmites.
A diferença prática? Na REURB-S, a prefeitura pode realizar melhorias na infraestrutura, como redes de esgoto. Já na REURB-E, esses custos ficam por conta dos moradores. Isso significa que, na prática, quem tem menos recursos pode ter acesso facilitado à regularização, enquanto quem poderia pagar, arca com os custos da operação.
No caso da REURB-S (Social), a flexibilização permite que comunidades inteiras deixem de viver na incerteza e tenham reconhecido seu direito à moradia. A legislação ambiental é fundamental para a preservação dos recursos naturais, mas não pode ignorar a realidade de milhões de brasileiros que precisam de um lugar digno para viver.
A REURB trouxe avanços inegáveis, mas sua aplicação ainda esbarra em desafios estruturais. Garantir o direito à moradia não é apenas uma questão legal, mas um compromisso social. Enquanto os governos não investirem em capacitação técnica e recursos para que os municípios implementem a lei de forma eficiente, milhões de brasileiros continuarão vivendo na informalidade, sem acesso aos direitos básicos que a propriedade regularizada proporciona.
É preciso cobrar dos governantes prioridade e orçamento para essa política. Porque moradia digna não deve ser um privilégio, mas um direito de todos.
Lucas Castro é graduando em Direito na Universidade Federal do Acre (UFAC), ativista do Students For Liberty Brasil e membro da UJL-AC.
