Lei dos pesticidas ‘diminui rigor’ e deixa ministérios de Lula em lados opostos; veja itens polêmicos

Aprovada na terça-feira pelo Senado, a Lei dos pesticidas gerou racha entre o Ministério da Agricultura e as pastas do Meio Ambiente e Saúde após mexer em diversos trechos da legislação, especialmente em quatro aspectos: os prazos para a liberação de novos pesticidas serão acelerados e o rigor contra substâncias com qualquer potencial de desenvolver câncer serão flexibilizados. Além disso, as advertências que a propaganda de produtos precisavam ter deixaram de constar como exigência, e será possível exportar pesticidas que sequer tiveram registro liberado pelos órgãos competentes.

Chamada de “lei do veneno” por ambientalistas, o texto é defendido por representantes do agronegócio que acreditam que novas regras podem “modernizar” o sistema de registro e, assim, permitir acesso mais rápido a novidades do mercado. Após a mobilização, o relatório da Comissão do Meio Ambiente do Senado, presidida por Fabiano Contarato (PT-ES), suprimiu trechos polêmicos da lei. Em especial, os artigos que retiravam poderes do Ibama e da Anvisa nos processos de registro de agrotóxicos. Pela redação aprovada na Câmara dos Deputados e enviada ao Senado, o processo ficaria concentrando apenas no Ministério da Agricultura.

— O objetivo é garantir as competências e a atuação da Anvisa e do Ibama na homologação e na elaboração de pareceres técnicos apresentados nos pleitos de registro dos produtos, conforme as análises de risco à saúde e ao meio ambiente. Essa decisão mantém a autonomia dos órgãos, sem hierarquia ou subordinação entre os responsáveis pelas análises — esclareceu o senador, sobre as mudanças.

Projeto de 1999

O projeto original foi redigida pelo ex-senador Blairo Maggi em 1999 e desde então sofreu diversas alterações no texto. Ao ser enviado à Câmara dos Deputados, houve a inclusão dos artigos mais polêmicos. Na gestão de Jair Bolsonaro, que sempre se colocou próxima do agronegócio, o tema voltou à tona com forte atuação da então ministra da Agricultura Teresa Cristina (MS-PP). Agora senadora, ela liderou a articulação em busca de um consenso.

O resultado foi a aprovação simbólica na terça-feira, com apenas um voto contra, e a lei agora irá para sanção do presidente Lula. Os senadores votaram antes mesmo da publicação da redação final do texto, apenas embasados nos acordos expressos no relatório de Contarato. A falta da versão final dificultou a análise, explicam especialistas. Mas, ao GLOBO, Contarato esclareceu alguns dos pontos decididos no relatório, como o polêmico trecho do “risco inaceitável” para veto de produtos danosos à saúde.

A lei atual especifica diversos efeitos danosos que, se comprovados, servem para proibir o registro de agrotóxicos. Os vetos se estendem também aos casos de necessidades de tratamento que não existem no Brasil. Mas na nova lei, tudo isso era substituído apenas pela proibição de produtos com “risco inaceitável”. Um termo genérico e abrangente, segundo especialistas, que temiam o aumento de circulação de produtos danosos.

Contarato explicou que determinou a retirada desse trecho por considerá-lo “impreciso”. No lugar, a nova lei coloca avaliação de risco por parâmetros internacionais como o GHS (sigla em inglês para Globally Hamonized System of Classification and Labelling of Chemicals), o Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS) e o Codex Alimentarius.

Diversidade conta

Esses parâmetros já são previstos em normas da Anvisa, explica Karen Friedrich, toxicologista da Fiocruz e da Abrasco. Segundo ela, nem sempre essas exigências — criadas na Europa — são as mais adequadas, considerando a diversidade de biomas e a extensão territorial brasileira.

— Hoje, um agrotóxico passa por uma prova de quatro etapas, de avaliação de risco. Se houver potencial cancerígeno, já é vetado na primeira etapa. Agora, a avaliação poderá, em tese, ir até o final, o que pode facilitar o registro de substâncias tóxicas. Não é razoável simplesmente importarmos esses padrões internacionais sem uma avaliação aplicada ao nosso contexto, porque é possível haver necessidade de restrição maior para o contexto brasileiro — diz Friedrich — Nenhuma proposta aumenta a segurança dos consumidores ou trabalhadores. Algumas partes foram retiradas, mas ainda traz questões muito complicadas.

Dos 10 agrotóxicos mais utilizados no Brasil, metade é proibida na União Europeia, como o acefato, a atrazina e o paraquate. Nos últimos 10 anos, o país registrou mais de 500 bebês de até um ano intoxicados por agrotóxicos, e estimativas ainda apontam pelo menos 25 mil casos por conta da subnotificação, destaca Mariana Campos, porta-voz do Greenpeace Brasil. Os dados foram publicados pela professora da USP Larissa Bombardi.

— Temos visto movimentação no Europa e EUA rumo ao banimento de substâncias associadas a doenças e polução. Enquanto isso, no Brasil a gente ainda vê permissividade muito grande — afirma Campos.

Já o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), defende que a nova lei é necessária para modernizar o sistema de registro. Ele diz que hoje novos produtos podem levar até 10 anos para serem autorizados no país, o que impacta no combate às pragas.

— As moléculas mais modernas demandam menor número de aplicações e são menos danosas. É igual remédio, quando sai um mais moderno, é o que a gente usa. Mas hoje há dificuldade para termos acesso aos produtos mais modernos por causa da morosidade do sistema. Enquanto isso, aumenta a circulação de produtos paraguaios e argentinos, sem registro no Brasil, mas que são mais baratos, então o produtor da fronteira compra. Precisamos coibir esse contrabando — afirma o parlamentar, que discorda de um aumento de possibilidade de aprovação de produtos cancerígenos, pois as avaliações de risco continuarão iguais, defende.

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