O Brasil possui o maior rebanho comercial de bovinos do mundo e, depois de muitos esforços para conquistar o mercado internacional, tornou-se o maior exportador de carne bovina. São fatores que colocam o país em uma posição importante para alimentar o mundo com proteína segura e de alta qualidade. Nesse contexto, o Brasil está em posição geográfica estratégica para a produção de bovinos para atender as rígidas exigências dos consumidores, com condições climáticas e vegetação adequadas, com abundância de água e pastagens, que contribuem para a competitividade em termos de custos produtivos.
Esse cenário é conhecido por quem acompanha o agronegócio brasileiro, ainda que minimamente. Contudo, a nossa pecuária ainda tem muito espaço para evoluir, principalmente em produtividade. Temas como gestão, tecnologia, bem-estar animal e sustentabilidade estão na pauta de todos os encontros técnicos e, aqui, é importante muitos pecuaristas entendam a necessidade de aplicar esses conhecimentos em suas fazendas para crescer em rentabilidade e lucro além de gerar mais empregos e divisas para o país e carne cada vez melhor para a mesa dos consumidores.
Embora haja uma pecuária desenvolvida e sustentável no Brasil, a média ainda tem de evoluir. Questões como a suplementação mineral do rebanho, por exemplo, ainda é um desafio para os pecuaristas. A maior parte opta pelo sistema 100% a pasto e, destes, muitos ainda não praticam nenhum tipo de suplementação nutricional, deixando o animal suscetível à perda do ganho de peso nos meses de estiagem, com risco de comprometer os índices reprodutivos, a saúde, o bem-estar animal e a conformação de carcaça. Ou seja, a aplicação de tecnologias economicamente viáveis torna possível produzir mais arroba por hectare e gera mais receita.
Outro desafio é questão ambiental, que vem ganhando contornos de ameaça à nossa pecuária. Apesar das polêmicas e das defesas do setor, o avanço do desmatamento ilegal em algumas regiões gera desconfiança entre clientes globais. Nos países da União Europeia, por exemplo, há um risco real dessa questão ser usada como medida protecionista, com aumento das barreiras comerciais e tarifárias aos países que praticam desmatamento ilegal ou que não tenham certificações de origem para produtos de origem animal. Isso tem levado autoridades brasileiras a se mobilizarem em comitivas para defender a nossa carne.
Outras duas questões que têm se apresentado como demandas (ou exigências) são padrão e procedência. Sobre a primeira, a China, que é o maior comprador da carne bovina brasileira, exige bovinos de determinadas características em termos de idade (animais jovens), peso e conformação de carcaça (esse animal já tem até nome: “Boi Padrão China”). Sobre a segunda, o comprador quer saber a origem, se a carne é produzida em linha com os seus valores, com processos legalizados, livres de mão de obra escrava, desmatamento ilegal, entre outros fatores.
Diante de tudo isso, voltamos ao início do texto. Como a nossa pecuária é favorecida pelas condições naturais, é possível aumentar significativamente a produção sem ampliar o uso da terra. Isso é possível aplicando tecnologias de nutrição economicamente viáveis. Naturalmente, o resultado será a manutenção do mercado atual, a conquista de novos espaços fornecendo a carne que o mundo quer e melhor remuneração para todos os elos da cadeia produtiva à medida que o produto brasileiro for mais valorizado.
O caminho está aberto e basta o pecuarista trilhá-lo por meio da intensificação da pecuária e do uso das boas práticas de produção animal. Os ganhos de produtividade são claros e provados e mostram que, sim, a pecuária consegue fazer mais com menos.
Tendências para o futuro
Para entender melhor sobre os desafios e tendências do setor, o coordenador do Centro de Inteligência da Carne Bovina (CiCarne) da Embrapa Gado de Corte, Guilherme Cunha Malafaia, falou sobre as megatendências para a pecuária bovina.
Ele coordenou o estudo “O futuro da cadeira produtiva da carne bovina – Uma visão para 2040”, que detalha e orienta sobre os principais caminhos que devem proporcionar uma transformação radical na pecuária bovina de corte.
Produtos biológicos na sanidade bovina
Atualmente, a sanidade bovina é garantida com o uso de produtos químicos. Em 2040, as soluções biológicas irão ocupar espaço importante no manejo e serão a base para garantir a saúde do rebanho. Além de diminuir os riscos de contaminação por fármacos tradicionais, essa mudança aumentará a aceitação de produtos de origem animal pelos consumidores e reduzirá os riscos de embargos comerciais.
Mais qualidade com o uso da biotecnologia
A biotecnologia impactará desde o manejo na propriedade até a qualidade do produto que chegará à mesa dos consumidores. Ela será usada para a melhoramento genético e sanidade, contribuindo para melhorar a qualidade da carne e ajudando em problemas históricos da atividade, como doenças e parasitas. Na genética, os principais avanços serão na inseminação artificial.
Otimização das pastagens e maior produtividade
Haverá aumento expressivo em área de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), com maior número de bovinos integrados à diversidade produtiva e ao meio ambiente. Mais carne será produzida com menos áreas de pastagem. Essa mudança pode melhorar a imagem da pecuária de corte diante da sociedade brasileira e estrangeira.
“A expectativa é que nos próximos 20 anos o Brasil duplique a área de ILPF, trazendo maior eficiência dentro deste sistema. Como consequência, mais áreas para cultura de grãos e de florestas serão abertas, de modo interligado com a pecuária, criando um círculo virtuoso de desenvolvimento sustentável”, afirma Malafaia.
Implementação rigorosa do bem-estar animal
O respeito ao bem-estar animal será uma rotina obrigatória em toda a cadeia produtiva, da cria ao abate. A propriedade, a transportadora e o frigorífico serão obrigados a apresentarem certificados de produção com bem-estar animal e rastreabilidade. Estas práticas serão indispensáveis para a aceitação da carne nos mercados nacional e internacional.
“Os protocolos de bem-estar animal estão sendo cada vez mais cobrados, principalmente no mundo pós-pandêmico, em que os critérios de biosseguridade são cada vez mais elevados. As certificações de bem-estar animal serão mandatórias para se fazer negócio”, salienta ele.
Para atender aos consumidores, a busca por soluções sustentáveis será brutal, transformando a indústria de insumos. Toda a cadeia produtiva deverá adotar procedimentos que garantam a qualidade da carne e a sustentabilidade de suas atividades, incluindo a aquisição da matéria-prima e os sistemas de manejo. Estas exigências limitarão a produção extrativista ao mínimo.
Gestão como diferencial
O novo cenário da pecuária vai colocar em destaque os produtores que investirem em tecnologia e gestão, e que estejam dispostos a acompanhar a evolução do setor. Quem quiser se manter no mercado, deverá atender às exigências produtivas e investir em meios de produção, controle e qualidade do produto final. Aqueles que não melhorarem seus padrões produtivos e gerenciais serão eliminados da atividade.
“Nos próximos 20 anos, as exigências para atender às necessidades do mercado serão muito maiores e os custos de produção tendem a ser mais elevados. Isso vai incorrer em necessidades maiores de inteligência e gestão dentro do negócio”, complementa ele.
Denominação de origem
A nova forma de consumo será guiada pela sofisticação. Assim como acontece com queijos e vinhos, as carnes terão como diferencial sua denominação de origem, como forma de agregar valor ao produto. Para satisfazer consumidores exigentes e em busca de novas experiências gastronômicas, a carne terá cortes e porcionamentos diferenciados.
Destaque na exportação de carne e de genética
O Brasil vai se consolidar entre os maiores exportadores de carne, com destaque para a genética bovina. Isso se deve aos avanços em biotecnologia, produção sustentável, bem-estar animal e qualidade da carne. O país terá destaque na exportação de genética, animais vivos para abate, cortes de carne e subprodutos em diferentes mercados.
Transformação digital no agro
A inovação digital vai impulsionar o processo de transformação de toda a cadeia produtiva de carne, injetando gestão e inteligência na atividade. Ela vai aproximar o produtor do consumidor, e muitos gargalos de produção serão eliminados devido à gestão mais tecnológica nas propriedades e frigoríficos, com a robótica reduzindo os custos e aumentando a produtividade.
“Estas inovações vão permitir um controle mais preciso sobre os processos produtivos e seus custos, para tomadas de decisão muito mais qualificadas e assertivas. Elas serão baseadas em dados coletados instantaneamente e tecnologias com o componente digital embarcado.”, disse Malafaia.
Mão de obra qualificada
Com o crescimento da população urbana, haverá aumento na automação das atividades no campo para suprir a falta de trabalhadores. “A transformação tecnológica vai mudar completamente o perfil dos sistemas produtivos, sistemas inteligentes e isso vai demandar uma mão de obra cada vez mais qualificada”, complementou o coordenador do CiCarne.
Formar e reter trabalhadores qualificados na pecuária será um dos maiores desafios do setor, que exigirá profissionais capacitados em ferramentas mais avançadas, como a Internet das Coisas (IoT), a maior complexidade no manejo, técnicas de ILPF e o foco em gestão.
Qual o futuro da pecuária no Brasil?
O estudo conclui que a concorrência com outras fontes de proteína forçará toda a cadeia a produzir melhor, e o maior grau de exigência do consumidor será um grande gatilho transformador da atividade.
O Brasil vai ocupar espaço no cenário internacional exportando desde genética a produtos altamente especializados e de elevado valor agregado. Também será reconhecido por uma pecuária de corte altamente tecnificada, profissional e competitiva e como uma referência global.
Por outro lado, o impacto social será muito relevante – pois muitos pecuaristas não conseguirão se adaptar e deixarão a atividade. “Vamos ter menos produtores, que serão mais tecnificados e terão maior volume de produção. Quem for pequeno ou se organiza em cooperativas, em associações, em rede, ou não sobreviverá”, afirma o pesquisador Elísio Contini.
De acordo com o especialista, a previsão é que poderão deixar a atividade quase metade dos 1,3 milhão de pecuaristas hoje em atividade, apesar de promissora projeção de o país se consolidar como líder global nesse mercado.
“Parcela considerável vai ser excluída da atividade e substituída por fazendas corporativas. Até 2040, cerca de 50% dos produtores devem sair do mercado”, afirma o coordenador do Cicarne, Guilherme Malafaia.
Segundo Malafaia, quem não quer ficar para trás neste processo precisa se capacitar e usar as tecnologias que já estão disponíveis: “O produtor deve buscar a orientação técnica e se capacitar em termos de gestão. Acima de tudo, é preciso entender que a empresa rural funciona dentro de uma mesma lógica que a empresa urbana. Os processos decisórios são os mesmos, o que muda é o grau de risco, que é muito maior no setor rural.”
Até 2050, estima-se que o mundo terá uma população de 10 bilhões de pessoas para alimentar. O Brasil tem grande potencial para ser um dos principais fornecedores. A ciência deve ser protagonista nesse cenário de mudanças climáticas para desenvolver tecnologias e trazer inovações para a agropecuária brasileira.