Valterlucio Campelo: ‘O saneamento básico, a partir do Trata Brasil’

Enquanto centenas de famílias de agricultores estão sendo expulsas da reserva Chico Mendes, tratadas como criminosas pelo Governo Federal, após décadas de incompetência dos órgãos responsáveis que negligenciaram e permitiram, com todo mundo vendo, que a reserva perdesse parcialmente a sua finalidade e fosse aos poucos sendo ocupada com intensidade e atividades divergentes daquelas planejadas na sua criação em 1990, o Brasil prepara em Belém a COP mais fracassada de que se terá notícia, jogando fora um valor ainda impreciso que deve superar os oito bilhões de reais, dinheiro que falta para tudo, inclusive para escolas rurais (né?).

Tangendo a boiada que fará a festança ambientalista internacional, a ministra Marina Silva, tutelada pelo Fórum Econômico Mundial-FEM e governos europeus, faz o seu dever de casa passado na Europa. De um lado veta a pavimentação da BR 319 entre Porto Velho e Manaus e, por outro, segura enquanto pode a licença para exploração de petróleo em nossa margem equatorial. São os cadeados da ex-seringueira, hoje cortando corações preservacionistas na colocação Avenida Paulista.

Infelizmente, a realidade se impõe e revela mais que florestas e “mudanças climáticas”. Ela grita alto por socorro em um tema distante das reservas, das rodovias e do oceano. Refiro-me ao saneamento básico, cuja importância é tão grande quanto o desprezo que sofre das autoridades públicas. Definido por lei (11.447, de 2007), como um conjunto essencial de serviços, infraestruturas e instalações necessárias para promover a saúde pública, proteger o meio ambiente e assegurar a qualidade de vida da população, o saneamento consiste em quatro pilares: Abastecimento de Água; Esgotamento Sanitário; Limpeza Urbana e Manejo de Resíduos Sólidos; Drenagem e Manejo de Águas Pluviais Urbanas.

Pois bem. Entre várias instituições que lidam com o tema, o Instituto Trata Brasil é uma OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, formado por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país, de acordo com seu histórico, “atua desde 2007 trabalhando para que o cidadão seja informado e reivindique a universalização do serviço mais básico, essencial para qualquer nação: o saneamento básico”. É dessa entidade o painel Saneamento Brasil com dados de 2022 publicado recentemente. Vejamos alguns resultados referentes à água tratada e esgotamento sanitário na tabela abaixo.

Tabela 1 – Água Tratada e Esgotamento Sanitário

UNIDADEPop. Sem água tratada. (%)Pop. Sem coleta de esgoto (%)Rel. Esgoto/Água consumida.
Acre52,0089,500,70
Brasil15,8044,5052,20
Norte37,6085,7019,80
Rondônia44,1091,109,80
Amapá53,1094,6014,20
Tocantins5,9064,2032,30
Roraima20,6034,5081,30
Amazonas20,4085,8020,20
Pará48,9091,508,70
Rio Branco46,5079,300,70

FONTE: Trata Brasil

Para nós acreanos que vivemos dia sim dia também com o ouvido na caixa d’água para ver se “a água tá chegando”, não surpreendem, embora sejam assustadores os números acima. Vejam bem. Quase METADE da população acreana NÃO TEM água tratada em suas torneiras, enquanto no Brasil como um todo, aí incluindo o próprio Acre, o número é de 15,8%. A capital, Rio Branco, que concentra quase metade da população, não fica atrás. Para se ter uma ideia, em estados do Nordeste como o Ceará, com seca e tudo, o nível de desabastecimento é de 29,7%. É de se perguntar o que andaram fazendo durante todos esses anos os responsáveis pelo setor que não tomaram providências.

O Brasil quer ser protagonista em matéria de preservação ambiental e cuidados com a floresta, mas esquece de fazer a lição mínima de abastecer a população com água potável de qualidade. Em Belém, onde o lulopetismo derrama dinheiro do contribuinte para a COP do nada, os europeus que vierem se defrontarão com um índice de 80% sem coleta de esgoto em Belém. Talvez não resolvam o problema do “aquecimento global”, mas provavelmente encontrarão sarna para se coçar.

A questão do esgotamento é dramática. No Acre, de cada DEZ pessoas, NOVE não possuem esgotamento coletado. A maior parte dos dejetos humanos vão diretamente para os rios e igarapés ou contaminam o lençol freático, chegando ao cúmulo de menos de 1% da água consumida ter tratamento adequado.

Como se pode ver na tabela, o drama é amazônico. A região Norte como um todo é um mau exemplo. Chega a ser uma brutalidade com o nosso povo que o Governo Federal, principalmente, mas não apenas, permita que esse tema seja praticamente ignorado. Que raios de desenvolvimento sustentável é esse que dispensa o saneamento básico? Bá-si-co! Quando no andar de cima falam em bilhões vindos de doações e financiamentos para o zelo com o meio ambiente, me pergunto se, por acaso, entra na conta essa dívida com o povo ou se fala apenas em manter a floresta em pé e o fantasioso “rio voador”. A qualidade de vida miserável de quem não bebe água decente nem destina seus dejetos ao tratamento não importa?

No próximo ano teremos eleições gerais e, seguramente, a oportunidade de questionar os candidatos em todos os níveis sobre o que pretendem fazer nessa direção. Já que o processo eleitoral foi adiantado ao ponto de sabermos com um ano de antecedência quais são os candidatos, por que não começar a discutir os verdadeiros problemas ambientais e do desenvolvimento ao invés de espalhar farofa florestal?

Aqui, no Diário do Acre, estarei nos próximos dias tratando desse tema em seguidos artigos. Espero que os acreanos tomem conhecimento mais detalhado dessa questão e vão para cima de seus candidatos nas próximas eleições, sabendo que não se instalam processos eficientes de melhoria da qualidade de vida sobre o esgoto e a falta de água.

Valterlucio Bessa Campelo escreve às segundas-feiras no site AC24HORAS, terças, quintas e sábados no DIÁRIO DO ACRE, quartas, sextas e domingos no ACRENEWS e, eventualmente, no site Liberais e Conservadores do jornalista e escritor PERCIVAL PUGGINA, no VOZ DA AMAZÔNIA e em outros sites.

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